segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O TCU e a disputa pelos rumos do PAC

por Mauro Santayana

Ao que tudo indica, as contestações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos efeitos prejudiciais das fiscalizações e decisões do Tribunal de Contas da União sobre as obras do governo, em especial aquelas que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento, não ficarão apenas no campo do discurso político. Um primeiro passo, evidentemente, foi a indicação do aliado José Múcio para o tribunal, uma tentativa mais ou menos clara de amenizar a hegemonia oposicionista ainda vigente dentro do órgão. Um segundo envolveria oferecer ao TCU um pouco do seu próprio remédio, ou seja, submeter o tribunal aos rigores de uma enérgica vigilância, como o próprio Lula, em uma de suas declarações mais recentes, sinalizou desejar.


É neste cenário que entra em cena a ideia de uma instância “técnica” hierarquicamente superior ao tribunal, com poderes inclusive para rever ou anular decisões ali produzidas. Ou ainda a Proposta de Emenda Constitucional 28/2007, iniciativa que cria um órgão de controle para os tribunais de contas de todo país, o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, com a incumbência de fiscalizar os desempenhos administrativos e financeiros destas instituições. Ainda não está plenamente claro, é verdade, quais serão os instrumentos do governo para reduzir os impactos da atuação do TCU sobre o PAC. Mas não há dúvidas de que a movimentação no sentido de reconfigurar a relação de forças com o tribunal ganha impulso.

A aparente intensificação do choque entre o governo e o TCU, contudo, não deve ser vista de maneira maniqueísta, excessivamente simplista. A tentativa de se ponderar sobre o conjunto mais amplo das consequências da atuação do tribunal dificilmente pode ser reduzida a uma “apologia à corrupção”, como acusa a oposição. Não se pode deixar de lado que o programa é uma resposta a significativas carências da infraestrutura nacional cuja superação depende, em alguma medida, da fluidez de sua execução. O argumento também não é compatível com os esforços que a Polícia Federal, órgão ligado ao Executivo por meio do Ministério da Justiça, tem demonstrado no combate às quadrilhas especializadas em fraudar obras.

Igualmente questionável, entretanto, é a leitura governista de que o TCU paralisaria obras por se tratar de uma ferrenha trincheira oposicionista sem comprometimento algum com as necessidades do país. Qualquer programa de amplitude como o PAC estará sujeito aos mais diversos desvios técnico-administrativos, e neste sentido a fiscalização do tribunal significa, muitas vezes, a economia de preciosos recursos para o governo por meio do combate aos superfaturamentos e projetos inadequados, ainda que eventualmente abusos nas recomendações de paralisações de obras realmente possam ser cometidos. Além disso, em alguns casos, a lentidão do programa pode ser atribuída mais às baixas taxas de execução dos recursos disponíveis para as obras do que às decisões do TCU.

A despeito da cortina de fumaça, é curioso notar como as críticas ao TCU contribuem para desmontar parte do discurso adotado por Lula e o PT, no final de 2005, para esvaziar politicamente as denúncias de transferências ilícitas de recursos para partidos da base aliada em troca de apoio em votações. Naquele que certamente foi o pior momento do governo Lula, um das justificativas utilizadas pelo PT para se proteger foi a de que a maior percepção da corrupção estaria ligada não ao efetivo aumento dela, mas sim a uma maior disposição do governo para combatê-la e torná-la pública.

O alegado enfrentamento da corrupção e a busca pela transparência, entretanto, dificilmente combinam com as intenções de enfraquecer o papel do TCU. Isso não significa que o governo vise a uma frouxidão administrativa absoluta ou que esteja disposto a aceitar, impassível, vastas irregularidades. Significa, tão somente, que ele pretende manter o processo sob seu controle. Como a ciência política mais elementar entende, não obstante as ilusões legalistas, o poder só pode ser contido por outros poderes. A disputa com o TCU é uma busca pela concentração da capacidade de ingerência sobre os rumos do PAC. Não pode ser resumida numa dicotomia simples entre desenvolvimento e corrupção, da maneira como muitas vezes é apresentada. E a correta compreensão do caráter desse conflito pode ser útil para entender os próximos capítulos dessa queda de braço que, ao que parece, está apenas começando.

Fonte: JB ONLINE


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