terça-feira, 11 de maio de 2010

Leandro Fortes: O camarada Serra

De Leandro Fortes, no Brasília Eu Vi

Ao se declarar um homem de esquerda, durante entrevista na CBN, o ex-governador José Serra deve:

1) Ter caído em desgraça na revista Veja;

2) Ter caído em desgraça no Instituto Millennium;

3) Ter caído em desgraça na Fiesp;

4) Ter caído em desgraça no Clube Militar;

5) Ter caído em desgraça na ANJ;

6) Ter caído em desgraça nos blogs de esgoto;

7) Ter caído em desgraça na TFP;

8) Ter caído em desgraça na UDR;

9) Ter caído em desgraça na CNA;

10) Ter caído em desgraça na CNI;

11) Ter caído em desgraça no DEM;

12) Ter caído em desgraça em Higienópolis;

13) Ter caído em desgraça nas Organizações Globo;

14) Ter caído em desgraça na Febraban;

15) Ter caído em desgraça no PSDB.

Então, fico imaginando quem, afinal, deverá votar em José Serra, o Vermelho:

1) Os 30 mil pernambucanos beneficiados pela plataforma de indústria naval fixada no estado como parte do PAC?

2) Os 60 milhões de brasileiros beneficiados pela distribuição de renda catalisada pelo Bolsa Família?

3) Os 32 milhões de brasileiros que saíram da condição de miseráveis à de consumidores?

4) Os 1,2 milhão de trabalhadores que recebem um salário mínimo que pulou de 60 dólares, da Era Tucana, para 200 dólares, no governo Lula?

5) Os trabalhadores sem-terra perseguidos no interior de São Paulo?

6) Os familiares dos motoboys assassinados pela PM paulista?

7) O delegado Protógenes Queiroz?

8) O juiz Fausto De Sanctis?

9) Os comunistas?

10) Os eleitores de Dilma Rousseff?

E, finalmente, alguém pode me explicar como é que um sujeito de esquerda pode aparecer todo sorridente numa foto ao lado da senadora Kátia Abreu? Seria um caso clássico de infiltração esquerdista nas hostes ruralistas?

Para ver a foto a que se refere o Leandro, clique aqui.

SERRA É DENUNCIADO COMO CONTRAVENTOR POR CONSELHOS DE ECONOMIA



















Candidato tucano à Presidência pode pegar até três meses de cadeia
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Artigo do jornalista e membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, Sitônio Pinto, publicado no jornal A União, de João Pessoa, abrigado no site do governo paraibano, informa o seguinte:
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“O Conselho Federal de Economia nunca se manifestou sobre o pedido de interpelação judicial e o conseqüente enquadramento do candidato José Serra no Art. 47 do Dec. Lei. 3.688/41, feito pelo Conselho Regional de Economia da Paraíba e endossado pelos Conselhos Regionais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Piauí, Alagoas, Maranhão, Rondônia e Tocantins, e por dois membros do Conselho Federal de Economia. O pedido teve por motivo o uso indevido da qualificação de economista pelo candidato Serra, que não tem bacharelado em economia nem é registrado em qualquer Conselho Regional de nenhum estado brasileiro. O procedimento do candidato caracteriza falsidade ideológica e charlatanismo, em prejuízo dos que exercem legalmente a profissão.
O Corecon-PB fez a sua parte, denunciando a irregularidade e pedindo providências à entidade competente, - no caso o Conselho Federal de Economia, parte legítima para uma iniciativa jurídica, pois congrega todos os Corecons do Brasil, onde, hipoteticamente, Serra deveria estar inscrito como economista.
Por coincidência, logo após a denúncia do Corecon-PB, seu presidente, o economista Edivaldo Teixeira de Carvalho, teve sua residência invadida por três homens armados que lhe roubaram um automóvel e outros objetos de valor. A violência não parou aí. Telefonemas ameaçadores foram transmitidos à casa de Edivaldo, com a recomendação de que ele ficasse quieto. Sua casa foi rondada por automóveis em atitude suspeita.
É de estranhar também a omissão do Confea, entidade que reúne os Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura (Crea), que até agora não se manifestou sobre o uso do título de engenheiro pelo candidato José Serra. Nenhum dos Creas também se pronunciou sobre o assunto”.
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O Decreto-Lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, em vigor, trata das Contravenções Penais. Seu artigo 47, no Capítulo VI, trata do exercício ilegal de profissão ou atividade:

.“Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa”.

Pior que é verdade... Novo dicionário da imprensa brasileira

- por Maurício Caleiro, Cinema & Outras Artes

Censura - Refere-se a toda e qualquer regulação que afete o sagrado direito da imprensa de difamar, mentir e agir como máfia.

Checagem de informação - Hábito dispendioso e supérfluo. Pode perfeitamente ser substituído pela publicação da seguinte nota: “Não foi possível confirmar a informação, tampouco desmenti-la”.

Diploma de Jornalista - Papel pintado e sem valor. Deveria ser vendido em papelarias.

Direito à informação - Direito assegurado ao público de receber as versões dos fatos tais como auferidas, editadas e formatadas pela imprensa de modo a moldá-las aos interesses desta.

Direito de Resposta - Extinto pelo venerando Gilmar Mendes após o fim da famigerada “Lei de Imprensa”, foi substituído pelo direito da mídia de continuar reiteradamente produzindo acusações, mesmo sem provas (ver verbete Presunção de Culpa).

Expert - Como a etimologia do termo sugere, jornalista que se destaca por ser especialista em sua área. Ou seja, especialista em justificar ou defender, em linguajar a um tempo acessível e pseudo-técnico (para simular conhecimentos superiores, inacessíveis aos demais mortais) políticas econômicas, administrativas e fiscais que interessem à corporação midiática para a qual trabalha.

Imparcialidade - Diz-se da capacidade de um órgão de imprensa (e, em decorrência, de seus jornalistas) de apoiar determinado candidato ou partido político sem assumir tal apoio.

Jornalista profissional - Serviçal mal remunerado, cuja função é repercutir os interesses da empresa em que trabalha. Servilismo, capacidade de bajulação, pouca bagagem cultural e ausência de espírito crítico são suas principais qualidades, ao lado da falta de caráter.

Liberdade de expressão - Diz-se do direito da imprensa de publicar o que quiser e como quiser, de acordo ou não com parâmetros éticos e deontológicos consagrados. Inclui o direito de omitir, reduzir a trecho(s) ou editar de forma manipulatória - inclusive para produzir sentido contrário ao que foi dito ou constatado - relato de atos, fatos, discursos e falas de terceiros.

Liberdade de imprensa - Segundo tese defendida publicamente pelo ministro do STF Carlos Ayres Britto, sumarizada em artigo de Eugênio Bucci, “A liberdade de imprensa deve ser entendida como um direito não limitado por outros direitos. Ela é um direito absoluto.” Estando acima da lei, a imprensa se considera, portanto, livre para publicar o que lhe der na telha, mesmo se mentiroso, difamante, criminoso ou racista. Não deve satisfações a ninguém.

Pesquisa eleitoral - Se feita por instituto correlato à empresa de comunicação, trata-se de evidência inquestionável do que acontecerá nas eleições. Se efetuado por terceiros, trata-se de uma simulação não confiável e tendenciosa, que deve ser posta sob suspeita e questionada judicialmente.

Presunção de Culpa - Inovação cívica trazida pela mídia ao anacrônico modelo jurídico do país. Ao invés de seguir o artigo 5º., inciso VLII da Constituição (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), a imprensa, como Primeiro Poder que é, se dá ao direito de exigir que o acusado prove que não é culpado. Foi identificada pelo professor da UnB e crítico de mídia Venício A. de Lima.

Tendências - Quesito particularmente importante na área econômica e em pesquisas eleitorais, deve ser auferido através da consulta a fontes, porta-vozes do mercado e eleitores em potencial que tenham em comum o fato de vocalizarem as tendências que o órgão de imprensa quer ver divulgadas em prol de seu próprio interesse.

Empresários repudiam posição de Serra sobre Mercosul

Reunidos na Espanha, micros, pequenos e médios empresários europeus e latinoamericanos aprovaram uma moção de repúdio às declarações do candidato tucano que qualificou o bloco sulamericano como uma "farsa" e defendeu sua "flexibilização". Em nota, eles defendem o Mercosul como o "mais importante acordo econômico e cultural da América Latina" e advertem para os riscos decorrentes do enfraquecimento do processo de integração no atual quadro de crise internacional.

A Cúpula Eurolatinoamericana de Microempresas e economia social, realizada de 3 a 6 de maio em Cáceres, Espanha, aprovou uma moção de repúdio às declarações do candidato tucano à presidência do Brasil, José Serra, caracterizando o Mercosul como uma “farsa” e defendendo a sua “flexibilização”. A nota aprovada pelos empresários reunidos na Espanha defende o Mercosul como o “mais importante acordo econômico e cultural da América Latina”. Além disso, adverte para os riscos de, no atual quadro de crise internacional e com um enfraquecimento da integração, as grandes corporações ampliarem seu poder em detrimento das empresas latinoamericanas.

O encontro de Cáceres aprovou também a criação da Eurolatim – Associação Eurolatinoamericana de Micros, Pequenas e Médias Empresas que terá como objetivo buscar uma maior integração social e econômico entre os povos da Europa e da América Latina. A íntegra da nota aprovada na reunião de cúpula é a seguinte:

Nota de Repúdio
Os empresários latinoamericanos reunidos em Cárceres, Espanha entre os dias 03 e 06 de Maio para a “CUMBRE EUROLATINOAMERICANA DE MICROEMPRESAS Y ECONOMIA SOCIAL” que resultou na Fundação da EUROLATIM 98% – Associação Eurolatinoamericana de Micros, Pequenas e Médias Empresas que tem como objetivo principal buscar uma integração social e econômica entre os povos alicerçadas nos princípios da sustentabilidade, repudiam fortemente as manifestações do candidato a presidência da República do Brasil, Sr. José Serra, que propõe substituir o Mercosul e as demais alianças regionais por tratados de livre comércio.

Considerandos:

• O Mercosul é o mais importante acordo econômico e cultural da America Latina.
• No atual momento de crise o Brasil sair do Mercosul é abrir espaço para que as grandes corporações internacionais ampliem seus interesses em detrimentos das empresas LatinoAmericana.

Esperamos que o candidato venha a público e esclareça sua posição que só interessa àqueles que sempre produziram pobreza e desigualdades em nosso continente.

Assinam esta nota:

ALAMPYME – Associalção Latino Americana de MIPYMEs

ALAMPYME – Capítulo México

AMPYME – Asemblea de Pequenã e Mediana Empresas de Argentina.

ANMYPE – Asociación Nacional De Micro Y Pequeñas Empresas de Uruguay

CAMARA DE LA PEQUEÑA INDUSTRIA DEL GUAYAS de Equador.

CONFAGAN — Cofederación Nacional de Agricultores y Ganaderos de Venezuela.

CONUPIA – Confederación Nacional Unida de La Pequeña y Micro Empresas do Chile.

FEBOPI – Federación Boliviana de La Pequeña Industria

FEPAMI – Federación Paraguaya de Micro Empresários

UPTA — Unión de Profesionales Trabajadores Autónomos de Espanha

Fundación para La Internacionalización do Soft Livre de Espanha

Da Agência Carta Maior

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A verdadeira lição da crise grega: deixemos que o neoliberalismo morra com o euro

Da Agência carta Maior

Por que há déficits orçamentários enormes em todo planeta? Não é porque, de repente, todos os funcionários do mundo tenham se convertido em burocratas de estilo soviético. É, e muito, porque uma economia global em declínio levou à diminuição de renda e a um gasto público maior na rede de seguridade social. O cúmulo da ignorância econômica é propor a destruição dessa rede de seguridade social a partir de uma extrapolação das lições equivocadas proporcionadas pelos problemas particularíssimos em que a própria Zona do Euro se meteu. A análise é de Marshall Auerback.

São legiões de analistas de mercados, gazeteiros e economistas que não se cansam de repetir o quanto é difícil para eles achar um padrão que situe os EUA numa posição financeira melhor que a da Grécia. Ken Rogoff, por exemplo, advertiu recentemente de que uma quebra da Grécia traria consigo uma série de quebras soberanas; também recentemente se sugeriu no NPR [Blog Planet Money] que a crise teria implicações para os EUA. O historiador Nial Ferguson fez observações de teor parecido no Financial Times há alguns meses. Os grunhidos dos falcões do déficit sobem de tom. Arrependei-vos libertinos fiscais, que o dia do juízo final se aproxima!

Deixemos de lado a histeria retórica bíblica, agora que ainda estamos em tempo de debater com racionalidade. A resposta recente do mercado às pressões cada vez mais intensas na Zona do Euro sugerem que os investidores começam a distinguir entre países que são emissores soberanos de moeda, como os EUA e o Japão, e emissores não-soberanos, como a Grécia e qualquer outra nação na Zona do Euro. O dólar se valoriza, apesar do déficit público dos EUA, enquanto o sofrimento que emana da dívida nos países PIIGS, sobretudo na Grécia, intensifica-se; isso traz consigo a queda do euro em relação ao dólar nos seus níveis mais baixos dos últimos 12 meses.

O comportamento distinto das diferentes moedas em relação ao dólar estadunidense se torna fartamente esclarecedor a esse respeito. No último trimestre, os dólares australianos, neozelandeses e canadenses registraram altas em torno de 4% em relação ao estadunidense. E a maior queda? O euro, que no mesmo período registrou baixas pouco surpreendentes de 6,3%. Conscientemente ou não, os mercados estão demonstrando que compreendem a diferença entre as nações que usam uma moeda (e que, pelo mesmo motivo, enfrentam uma restrição financeira externa) e as nações que não enfrentam qualquer restrição estrangeira nas suas políticas de gasto público, porque são nações criadoras de moedas.

Que os EUA disponham de moeda reserva é irrelevante neste contexto. A distinção-chave segue sendo a que separa o usuário do criador. As nações da Zona do Euro são usuárias; Canadá, Austrália, Reino Unido, Japão e EUA são criadoras de moeda.

Erram aqueles que, como Rogoff e um sem número de comentaristas, empenham-se em buscar analogias entre os países PIIGS e os EUA e o Reino Unido. A debilidade analítica desses críticos do déficit público decorre de sua incapacidade de distinguir entre o leque de políticas monetárias que se oferecem às nações criadoras de moeda, o leque que se oferece a nações monetariamente soberanas e aquele disponível às nações que não são soberanas monetariamente. Qualquer governo soberano – e os da União Européia não desfrutam dessa condição – pode lidar financeiramente com um colapso na receita e um aumento de gastos, sem terminar no beco sem saída em que a Zona do Euro se encontra, agora. Daí porque, por exemplo, o yen japonês não despenca em queda livre frente ao dólar, apesar da dívida pública japonesa representar 200% de seu PIB, quer dizer, numa razão que multiplica por 2,5 a da dívida pública estadunidense. O certo é que nos últimos dias, até o yen tem se valorizado frente ao dólar. Por que será, se a lição que supostamente deveríamos aprender é a dos males dos gasto públicos deficitários, “insustentáveis”?

A sustentabilidade fiscal é irrelevante num sistema que não enfrenta restrições operativas à capacidade do Estado para gastar. Os cheques da Seguridade Social estadunidense não seriam devolvidos por falta de fundos. Tampouco seus equivalentes canadenses ou japoneses. Analogamente, seus títulos da dívida pública sempre serão capazes de dar lucro.

Observe-se que isso não significa que não haja verdadeiras restrições de recursos em matéria de gasto público. Diga-se assim: quem quer que promova o uso de políticas fiscais como ferramenta de contra-estabilização efetiva tem de saber sempre que essas intervenções têm um custo. Esse custo bem que poderia ser a inflação se, como resultado da expansão fiscal se chegasse ao pleno emprego e se, mesmo que aumentassem as restrições de recursos o governo seguisse gastando. Mas se a economia não se recupera, a receita fiscal aumentará e o gasto líquido na rede de seguridade social e bem estar cairá. Nos EUA, isso significa que voltaremos provavelmente à “normalidade”, com déficits em torno de 2-4%, segundo o estado da economia, que são níveis que temos tido nos últimos 30 anos, fora o período de 1998-2001.

Por que esses déficits não resultariam inflacionários? Como o professor Scott Fullwiler observou numa troca de emails comigo há pouco, uma vez que a marcha de recuperação esteja em alta, e que a economia recobre uma capacidade significativamente maior de utilização – no que poderiam parecer pressões para uma alta de preços -, o déficit baixará substancialmente. Também será parcialmente diminuído por uma queda discreta no gasto com bem estar social. É paradigmático que, quanto mais rapidamente cresce a economia, tanto menor é o déficit, a menos que o governo siga gastando irresponsavelmente, coisa pela qual, deve-se dizer, não advogamos.

E, chegando ao ponto em que poderíamos chegar a ter inflação, o déficit terá retornado aos níveis de 2,3%, que é, como se disse, o que temos tido nos últimos 30 anos, período em que a inflação girou em torno de 2%. observe-se: inflação não equivale a quebra. Vocês e eu poderíamos comprar credit default swaps, quer dizer, permutas de inadimplência creditícia, de qualquer país do mundo, mas seríamos incapazes de recolher os lucros dessa compra sem que quaisquer dos países em questão registre uma taxa positiva de inflação – inclusive uma taxa de inflação de dois dígitos -, porque inflação e quebra não são equivalentes. Tampouco as agências de classificação de risco categorizariam dessa maneira a quebra. A quebra se define como incapacidade para levar a cabo uma tarefa ou de honrar uma obrigação, particularmente uma obrigação financeira. A inflação não se incorpora na definição, quando se trata de insolvência nacional.

Em troca, a idéia de uma quebra grega prevalece nos mercados, e se torna por consequência uma preocupação razoável no contexto da Zona do Euro. A opção da quebra se considera pouco menos que inevitável, ainda que se ponha em curso um resgate massivo de 110 bilhões de euros que, destinado a provocar “assombro e temeridade” entre os investidores, tenha se limitado só a assombrar. Se resgatar a Grécia custa 110 bilhões de euros, quanto custará resgatar a Espanha, a Itália ou a França?

Se os mercados se preocupam com a capacidade de solvência de um país, não lhe oferecerão créditos. E esse é o problema que todos os países da Zona do Euro enfrentam. Grécia, Portugal, Itália, França e Alemanha são todas nações usuárias das emissões de euros. A esse respeito, assemelham-se a uma municipalidade dos EUA, que são usuários do dólar emitido pelo governo federal do país.

Os déficits, por si mesmos, não fornecem as bases de uma quebra dos EUA. Se os EUA segue incorrendo em déficits exportadores líquidos (o que é o mais provável, dado o curso da queda do valor do euro), e se o setor interno privado tem poupança líquida, o governo dos EUA terá de fazer gasto líquido, quer dizer, incorrer em déficits. E isso é uma equação contábil elementar: nada mais nem nada menos. Se, nessas circunstâncias, o governo dos EUA consegue obter dividendos, o que conseguirá, de imediato, será forçar o setor privado nacional a incorrer em déficits (e a aumentar sua dívida), e terminará fracassando, porque o que o setor privado fará será tratar de aumentar mais uma vez sua taxa de poupança.

A mesma lógica vale para a Grécia. Supõe-se que o pacote de ajude do FMI e da UE é para reduzir seu déficit orçamentário, dos atuais 13,6% do PIB para 8,1% em 2011. Como o conseguirão? Buscar uma redução de déficit mediante programas de austeridade (ou de congelamentos, ou de como se quiser chamar) em um momento em que o gasto privado já é insuficiente para manter um crescimento adequado do PIB é a receita mais segura para o desastre, o que provocará é um aumento do déficit.

Considere-se nesse contexto o caso da Irlanda como amostra. A Irlanda começou a cortar o gasto deficitário já em 2008, quando teve início sua crise bancária e seu déficit orçamentário representava 7,3% do PIB. Não tardou para a economia se contrair em 10% e, oh, que surpresa!, seu déficit disparou para 14,3%. Podemos estar certos de que a Grécia aguarda um destino similar, dada a incapacidade da União Européia para compreender ou ainda categorizar os balanços financeiros básicos e as interrelações fundamentais entre os vários setores da economia. Nenhum governo, tampouco o FMI pode prever com segurança qual será o resultado; ao final, o que determinará o resultado serão as preferências privadas de poupança, como Bill Mitchell observou repetidas vezes.

Por que há déficits orçamentários enormes em todo planeta? Não é porque, de repente, todos os funcionários do mundo tenham se convertido em burocratas de estilo soviético. É, e muito, porque uma economia global em declínio levou à diminuição de renda (menos renda = menos impostos arrecadados, visto que o grosso da arrecadação se baseia na renda, e menos módulos fiscais) e a um gasto público maior na rede de seguridade social. O cúmulo da ignorância econômica é propor a destruição dessa rede de seguridade social a partir de uma extrapolação das lições equivocadas proporcionadas pelos problemas particularíssimos em que a própria Zona do Euro se meteu. Essa ignorância, porém, reflete também uma agenda política transparente que os EUA fariam muito mal em abraçar. Os pacotes de resgate, a intervenção do FMI e todo esse papo fiado sobre as “quebras ordenadas” dos PIIGS [Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, em sua sigla em espanhol] não podem esconder o erro fundamental no desenho da União Monetária Européia. Deixemos que o neoliberalismo morra com o euro.

(*) Marshall Auerbak é analista econômico dos EUA e membro conselheiro do Instituto Franklin e Eleanor Roosevelt, onde colabora com o projeto de política econômica alternativa new deal 2.0

Tradução: Katarina Peixoto

Trabalho escravo: uma herança perversa do capitalismo brasileiro

Trabalho escravo

Ilustração de Rugendas

Trabalho escravo: uma herança perversa do capitalismo brasileiro
O Brasil foi o último país independente do continente americano a abolir a escravidão, o que ocorreu em 13 de maio de 1888, dia em que a Lei Áurea foi sancionada. A herança do antigo regime, porém, não desapareceu. Em pleno século XXI, o trabalho escravo ainda é uma infame realidade para milhares de trabalhadores e trabalhadoras, uma mancha vergonhosa na economia nacional, notada principalmente (embora não só) nas áreas rurais. Aos poucos, após a Lei Áurea, as relações de trabalho características do escravismo foram cedendo espaço ao capitalismo, cujo pressuposto é a existência do trabalhador livre e despojado de meios de produção. Todavia, o trabalho escravo sobreviveu ao novo modo de produção, atravessou o século XX e amanheceu vivo no terceiro milênio, revigorado pela crescente desregulamentação das relações entre capital e trabalho, promovida pelo neoliberalismo.

Impunidade

O governo Lula tem se empenhado com seriedade no combate a esta prática hedionda, mas os interesses que a sustentam são poderosos e renitentes. Além disto, as ações públicas que se desenvolvem no Brasil neste sentido são insuficientes, conforme afirmou o secretário de Assalariados e Assalariadas Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag), Antônio Lucas Filho, em entrevista ao nosso portal reproduzida nesta reportagem.

As punições são leves face ao crime, o que torna comum a reincidência, e nossa morosa “Justiça” não raro é complacente ou mesmo cúmplice com os criminosos, geralmente muito bem situados na pirâmide social. A fiscalização deixa a desejar e a influência conservadora no Congresso Nacional também protege o trabalho escravo.

Superexploração

Uma das marcas registradas do capitalismo tropical é precisamente o grau superior de exploração da força de trabalho pelo capital. Isto explica, em parte, a sobrevivência de vestígios do antigo regime nas relações sociais modernas, especialmente no campo, até hoje carente e clamando por uma reforma agrária.

As empresas brasileiras praticam baixos salários e altas jornadas, nem sempre se pautam pelo respeito à legislação, em geral abominam os direitos sociais e a regulação das relações trabalhistas. Os capitalistas falam, é claro, em nome da liberdade (entre desiguais) e do liberalismo, da competitividade e do desenvolvimento. Afinal, jornadas longas, ampliadas pelas horas extras, “flexibilidade” e baixos salários foram “o verdadeiro motor do crescimento econômico brasileiro dos anos 1930 até os anos 1980”, conforme observou o sociólogo Sadi Dal Rosso (1).

Resistência

O caráter antissocial do capital e do capitalismo é notório. O trabalho escravo é o aspecto mais degradado e desumano do sistema. É um recurso que os empresários utilizam, especialmente no chamado agronegócio, para ampliar ainda mais o grau de exploração (ou extração de mais-valia, para usar um conceito consagrado por Karl Marx), de forma a maximizar o lucro.

Representantes do patronato que apela a este tipo de exploração gostam de negar a existência do trabalho escravo no Brasil, como fez a senadora Kátia Abreu, presidenta da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em recente entrevista à revista “Veja” (2). Um sinal, entre outros, da resistência das classes dominantes a medidas mais severas para combater o mal pela raiz.

Grandes empresas

É evidente que o trabalho escravo contemporâneo não possui as mesmas características do passado, mesmo porque a Lei Áurea de fato aboliu o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro. Mas as relações de trabalho forçado, com novas características, infelizmente ainda persistem.

Há os que alegam que isto ocorre marginalmente, envolvendo apenas alguns empresários particularmente malvados ou inescrupulosos. Também isto não é verdade. A cadeia do trabalho escravo envolve a participação direta e indireta de grandes empresas, incluindo multinacionais como o Grupo Cosan e a JBS Friboi.

PEC do trabalho escravo

A razão maior para a persistência desta herança perversa do capitalismo brasileiro é a força política da “Casa Grande”, concentrada sobretudo na intitulada bancada ruralista. Esta é hostil a toda e qualquer mudança progressista na legislação neste e noutros terrenos. Obstrui a aprovação da PEC do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação da propriedade em que for constatada a prática de trabalho escravo, e vocifera até contra a “lista suja” promovida pelo Ministério do Trabalho para denunciar empresas e empresários flagrados neste tipo de crime contra a força de trabalho.

A isto se soma, como salientou o dirigente da Contag, a pobreza e ignorância das vítimas, em sua maioria trabalhadores sem-terra e sem emprego, migrantes analfabetos, duros e lesos, que se submetem por necessidade e ingenuidade à exploração inescrupulosa dos intermediários de mão-de-obra. Mesmo quando resgatados pelo poder público, o trabalhador “sem qualificação nem escolaridade” tende a se submeter à mesma situação degradante. “O Estado tem de ter políticas públicas para isto”, cobra Antônio Lucas.

O problema não é só no Brasil, onde se estima em algumas dezenas de milhares o número de vítimas. Estudo da Organização Mundial do Trabalho (OIT) estima em mais de 12 milhões o número de trabalhadores submetidos à condição de trabalho que pode ser caracterizada como forçado ou escravo no mundo.

É o que o leitor e a leitora do Vermelho poderão perceber no conjunto de matérias que compõem esta reportagem especial sobre trabalho escravo no Brasil.

Da redação, Umberto Martins

Fonte: Portal Vermelho.org