sábado, 3 de abril de 2010

Eleições na Bolívia: Em busca da lua cheia

Do Portal Vermelho.org

As eleições regionais no país governado por Evo Morales apontam para a consolidação da hegemonia do MAS-IPSP e o fim da “meia-lua”.

Por Vinicius Mansur, para o Brasil de Fato

Desde a ascensão de Evo Morales à presidência da República em 2006, a direita boliviana fez dos governos departamentais do oriente do país, e também das prefeituras das capitais desses departamentos, a sua principal trincheira de oposição.

Aliados à maioria que tinham no Senado, os poderes executivos dos departamentos de Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija eram as bases a partir das quais a oligarquia descarregava seu pesado arsenal contra o governo central, incluindo aí a tentativa de guerra civil separatista – como muitos analistas classificam - em setembro de 2008.

Alimentando uma divisão política e econômica histórica, que coincide com a divisão geográfica do país em terras altas – localizadas na Cordilheira dos Andes – e terras baixas, a direita intitulou de “meia-lua” a oposição regional feita a Morales, em alusão à forma como estão dispostos no mapa esses quatro departamentos do oriente boliviano.

Com o desmantelamento dos articuladores da ofensiva de 2008 e com uma sucessão de vitórias político-eleitorais, incluindo aí a reeleição do presidente com cerca de 64% dos votos e a conquista de dois terços do atual parlamento, o Movimento ao Socialismo – Instrumento para a Soberania dos Povos (MAS-IPSP) conquistou uma folgada hegemonia que, de acordo com Morales, poderá ser traduzida como “lua cheia” a partir das eleições regionais de 4 de abril.

Nela, serão escolhidos nove governadores, 144 assembleístas departamentais (correspondentes aos deputados estaduais no Brasil), 337 prefeitos e 1.887 conselheiros municipais (correlatos aos vereadores brasileiros).

O quadro eleitoral

As últimas pesquisas eleitorais, embora não abarquem os resultados das disputas municipais em localidades rurais e apontem um alto índice de votos brancos, nulos e indecisos – que chegam a incríveis 42% em Oruro –, indicam a vitória nacional do MAS-IPSP.

De acordo com o levantamento mais recente, divulgado pelo Instituto Ipsos, o partido oficialista ganhará com folga em seis dos nove departamentos bolivianos: La Paz, Cochabamba, Oruro, Potosí, Chuquisaca e Pando. Em Tarija, a disputa está voto a voto com o candidato à reeleição, Mario Cossío (CC).

Em Beni e em Santa Cruz, as candidaturas apoiadas por Morales estão em segundo lugar, mas enfrentam quadros de difícil reversão, embora neste último – único departamento onde o segundo turno é previsto pela legislação eleitoral – o candidato do MAS-IPSP tenha apresentado um crescimento de 9%, enquanto o oposicionista e candidato à reeleição Rubén Costas caiu 13% na comparação das duas últimas pesquisas.

Quanto às cidades mais povoadas da Bolívia, que representam mais de 50% dos habitantes do país, o MAS-IPSP também apresenta boa vantagem, tendo praticamente garantidas as prefeituras de El Alto e Cochabamba. Em La Paz, os masistas lideram as pesquisas com 40%, mas são seguidos de perto pelos 34% do candidato do Movimento Sem Medo (MSM), num cenário que apresenta 14% de indecisos. O MSM dirige a cidade há 10 anos e sempre apoiou o chamado proceso de cambio. Porém, as relações com o MAS foram rompidas justamente por causa da disputa dessa prefeitura. Em Santa Cruz de la Sierra, nem mesmo a adesão de Marco Etcheverry, o maior jogador da história do futebol boliviano, à campanha do MAS-IPSP, parece ser capaz derrotar o candidato à reeleição Percy Fernández, que possui 46%. O governista Roberto Fernández está com 27%

Segundo o diretor do curso de sociologia da Universidade Mayor de San Andrés (UMSA), Eduardo Paz Rada, as eleições nos municípios menores, praticamente todos rurais, não serão um problema para os governistas, uma vez que o MAS-ISPS já ocupa diversas dessas prefeituras e nenhum outro partido é tão enraizado no campo como a agremiação oficialista. “Pelo menos 70% das prefeituras serão do MAS”, prevê o sociólogo.

Correlação de forças

Para ele, o pleito regional deve ratificar a hegemonia do MAS-IPSP, que “praticamente derrotou toda tentativa da oposição de forma contundente, tanto eleitoralmente, quanto pela via da luta contra a corrupção. Porém, [os governistas] não devem repetir os 64% que Evo teve na reeleição”.

O diretor do Le Monde Diplomatique Bolivia, Pablo Stefanoni, considera a próxima eleição “a última etapa da consolidação do evismo” e destaca o peso de Morales no processo. “Lideranças como Evo e Chávez colocam qualquer eleição de qualquer coisa de maneira plebiscitária. O MAS sempre teve um déficit de bons candidatos. Nas áreas rurais não, mas nas urbanas sempre teve dificuldades. Nas eleições de 2004, não ganharam nenhuma cidade importante. É possível que isso aconteça agora porque se reforçou a liderança do Evo. O César Cocarico [candidato do MAS para o departamento de La Paz, que lidera as pesquisas] dificilmente seria competitivo por sua própria trajetória”.

Quanto à direita, Stefanoni afirma que mesmo a vitória em um departamento de peso como Santa Cruz se incluirá em um cenário de retrocesso: “O caso Rózsas [morto pela polícia boliviana acusado de liderar um plano separatista] e as perseguições judiciais por corrupção são exemplo disso. A maioria deles [da direita] está semi-foragida. Outros setores foram cooptados pelo MAS”.

O senador masista Adolfo Mendoza destaca que mesmo nos locais onde ganhe a direita, o cenário agora será outro: “Onde o MAS não for governo, terá força no legislativo, obrigando os governos a buscar o consenso. Nos municípios onde há autonomia indígena, o processo está firme, independentemente do que aconteça com o MAS”.

Nesse cenário, Stefanoni acredita que se abrirá uma nova etapa para o processo boliviano: “No MAS, sempre vingou a ideia de que só se pode fazer reformas profundas tendo todo o poder. O desafio agora é mostrar o que fazer com todo o poder que tem, não há muitas desculpas. A questão será ‘qual é o projeto’, e aí há um déficit de agenda”.

Reconfiguração do poder

Alguns departamentos bolivianos ainda elegerão sub-governadores provinciais, corregedores e autoridades indígenas nos municípios para os quais está prevista a autonomia para povos originários. De acordo com Mendoza, ocorrerá um avanço na institucionalidade estatal definida pela nova Constituição: “Pela primeira vez na Bolívia se reconhece autonomias plenas em nível local, municipais ou indígenas-originárias-camponesas. Antes, o conselho municipal elegia o prefeito, o governo central indicava o governador. Já as autonomias indígenas se dão com base em um princípio básico, o direito à livre-determinação das nações e povos indígenas e à conformação de auto-governos a partir das normas e procedimentos de cada um deles”.

Para Mendoza, as próximas eleições marcam a reconfiguração do poder no país, contando, inclusive, com políticas de ação afirmativa de gênero e indígena. “São exigidos a paridade de gênero na formação dos governos e a representação indígena direta no Poder Legislativo, que já não passa pelo voto, mas pelos seus sistemas próprios de exercício da democracia”, afirma. Em Santa Cruz, por exemplo, o Poder Legislativo departamental contará com cinco representantes indígenas num universo de 28 assembleístas: um chiquitano, um guarani, um guarayo, um ayoreo e um mojeño.

Entretanto, o respeito à paridade de gênero nas listas de candidatos não foi respeitada. De acordo com a representante da Coordenadora da Mulher, Mónica Novillo, as mulheres representam só 7% das candidatas aos governos departamentais, 25% das aspirantes às sub-governadorias e 22% das concorrentes aos conselhos municipais. “Queremos a inabilitação ou retificação das listas”, reivindica.

Temperatura amena para Dilma Rousseff

(Alerta antigramatical. O texto deve estar cheio de erros. Meus textos estão sempre cheios de erros. Eu estou sempre corrigindo, mas é um trabalho eterno. Ás vezes corrijo posts de dois anos atrás.)

Depois das monções, tempo estável, seco. O sol constante e ameno. O sol frio de agosto. O blogueiro está calmo e lúcido como um samurai prestes a cortar a cabeça do inimigo. Iniciarei algumas mudanças no visual para adaptá-lo ao período eleitoral. Vários links de amigos serão deslocados.

Nunca participei de campanha política. Não sei porque. Nem em 2002 e 2006, quando já torcia fanaticamente por Lula. Escrevia como um possesso mas na época de campanha eu sempre me ligava em outra coisa. Muitas vezes em coisas idiotas e simplórias, como acompanhar minha mulher numa viagem de trabalho (ela é - ou foi - guia turística) para as cidades históricas de Minas.

A luta comendo no Brasil e eu procurando internet em Tiradentes. Só tinha uma, na prefeitura. Quer dizer, depois eu encontrei outra, numa segunda viagem para lá, uma lan house boa. Mas eu não tinha dinheiro na primeira vez.

Meu pai começou a trabalhar com quatro anos de idade. Ele vivia falando isso. De como teve que repousar a bunda em água salgada para curar as feridas abertas pela sela áspera do cavalo. Por isso talvez ele não hesitou em me usar - com quase a mesma idade, ou seja, com dezesseis - como mão-de-obra para sua empresa, seu jornal de café, quando as circunstâncias da vida o empurarram a isso. Lutava, meu pai. Bravamente. Estava cansado, porque o trabalho jornalístico é extremamente esgotante, mas a aposentadoria de 900 reais por mês não dava para sustentar mulher e dois filhos acostumados ao conforto.

Eu sempre achei que não é bem assim. O conceito de trabalho mudou bastante com a chegada das novas tecnologias. O mais importante é ter boas idéias. As máquinas trabalharão por nós. De uma forma ou de outra, as funções repetitivas estão sendo transferidas para sistemas de inteligência artificial. Não é por bondade, claro, mas porque empresas e governo lucram muito mais empregando máquinas incansáveis, que não erram, não aceitam propina, não fazem greves, do que trabalhadores interminavelmente em estado de revolta (abertamente, com punho fechado, ou subrepticiamente, com um sorriso homicida nos olhos) contra seus patrões. Eu adorei entender isso, porque me fez descobrir novos truques tecnológicos e trabalhar menos.

Dessa vez, porém, eu quero participar. Preciso participar desta peleja. Nos outros anos, eu tinha o meu emprego, ainda não tinha dado o salto. Eu estou diferente também. Menos cafona, eu acho.

Não estranhem, portanto, as mudanças no blog. Vou procurar torná-lo mais simples e funcional. Mais leve, para que possa aumentar o número de visitas. Profissionalizá-lo, enfim. Limpar e modernizar também a linha editorial. Dar um tempo na parte "Diário de um blogueiro duro e louco" e investir mais no segmento "Blogueiro influencia eleições".

E mesmo sem a presunção (megalômana, por certo, mas divertida) de influenciar, estaremos realizando acúmulo de força. As eleições deste ano envolvem não apenas a disputa presidencial, mas também a renovação do Legislativo. Uma configuração política nova se instalará no país a partir de 2011, com Dilma ou sem Dilma.

A vitória da esquerda no Brasil, nesse momento da América Latina, nesse momento do mundo, é algo que todas as pessoas sensíveis à conjunção astrológica que regula as relações internacionais intuem se tratar de um evento geopolítico determinante. O mundo está de olho no Brasil. O mundo estudará a democracia brasileira e daí tirará conclusões. Na América Latina, está evidente que a vitória de Serra será nociva às pretensões sulamericanas de fortalecer a união política do continente. A intelectualidade tucana já cansou de dar mostras sobre o que pretende em termos de política externa. Ela quer de qualquer jeito voltar ao americanismo chulé, vagabundo, subserviente, burro, que praticou durante tantos anos.

E ainda ficam elogiando nossos duzentos anos de politica externa! Ah, politica externa esplêndida que tivemos, que nos deixou até hoje exportando matérias primas baratas. Quando, finalmente, um governo começa a praticar uma política externa voltada para o interesse nacional, para o interesse econômico real das empresas e dos trabalhadores brasileiros, eles vem com esse papinho de ideologismo, terceiromundismo, antiamericanismo.

Acham um absurdo o Brasil fabricar navios e plataformas por aqui mesmo, em vez de fazê-lo em Cingapura...

Acham ótimo o Brasil exportar minério de ferro para a China a 40 dólares a tonelada e comprar produtos chineses de 250 mil dólares a tonelada.

Anticomunistas de merda que são, porque preferem dar dinheiro aos comunistas chineses a lutar por mais dinheiro no bolso de patrões e empregados conterrâneos.

Não sou contra a China, porém. Admiro-a extraordinariamente, mesmo nunca querendo morar lá. Não tenho sequer curiosidade. Assim como não tenho curiosidade de conhecer a Arábia Saudita. Não piso em lugar onde mulher é cidadã de segunda classe. Por isso aliás que é ridículo esse discurso anticubano por parte dos ianques do mundo inteiro, incluindo os ianques de Higienópolis, enquanto temos uma Arábia Saudita aí.

A China mata dezenas de dissidentes diariamente mas o Clóvis Rossi exige que o presidente declare guerra à Cuba porque um prisioneiro decidiu fazer greve de fome e morreu. Ahah, vá fazer greve de fome na China, meu irmão, e verá se eles te levam ao hospital para se tratar como fazem em Cuba. Que China! Vá fazer greve de fome no Paquistão, Arábia Saudita, Sudão, Costa do Marfim, e verá o tratamento humanista que terá do governo.

Andei refletindo e acho que a humanidade caminhará, de um jeito ou de outro, para alguma espécie de socialismo internacional, regido por instituições democráticas, provavelmente a própria ONU mesmo. É o maior pesadelo de Olavo de Carvalho, eu sei. Mas é isso mesmo. Só que ele acha ruim, eu acho ótimo. A existência de uma autoridade não exclui a liberdade. Ao contrário. A liberdade apenas pode existir em presença da autoridade. Dialética cristalina. Uma lei internacional a reger os povos. A coisa mais irritante é pensar que a extrema direita americana ainda pode ser compreendida, porque ela aspira ao poder imperial que lhe beneficia diretamente, mas a direita brasileira, ao contrário, porque cargas d'água prefere que o mundo siga as leis emanadas de Washington? Qual o interesse para o Brasil? Isso sempre me lembra, não sei porque, os "carecas" racistas e neonazistas de São Paulo, um bando de latino-americano mestiço a defender a superioridade dos arianos do norte europeu...

Fonte: Blog Oleo do Diabo

sexta-feira, 2 de abril de 2010

As guerras do ópio no Afeganistão

por Alfred W. McCoy[1], no Tom Dispatch e reproduzido no Asia Times Online

Por vias que a maioria dos observadores não vêem, o governo Obama já está enredado no ciclo infinito de drogas e morte no Afeganistão do qual não há saída óbvia e que não tem fim à vista.
Depois de um ano de debates cautelosos e medidas caras, o presidente Obama finalmente deu os primeiros passos para uma nova estratégia de guerra no Afeganistão, às 2h40 da tarde do dia 13/2/2010, numa remota vila-mercado chamada Marja na província de Helmand, no sul do Afeganistão. Enquanto um enxame de helicópteros sobrevoava os arredores de Marja levantando nuvens de poeira, centenas de Marines dos EUA invadiam os campos de papoula em direção à parte murada da cidade.

Depois de uma semana de combates, o comandante geral dos EUA general Stanley A. McChrystal chegava à cidade com o vice-presidente do Afeganistão e o governador da província de Helmand. Sua missão: falar a uma coletiva de imprensa sobre a estratégia new-look de combate aos guerrilheiros baseada em levar “o Estado” e “o governo” a vilas remotas exatamente iguais a Marja.

Em ocasião cuidadosamente planejada com a presença de cerca de 200 moradores locais, pressupostos favoráveis ao “Estado” e ao “governo”, o vice-presidente e o governador, contudo, enfrentaram fúria inesperada e muito clara. “Se vierem com tratores”, disse uma viúva afegã, apoiada num coro de fazendeiros locais, “terão de passar com os tratores sobre mim e terão de me matar, antes de destruir minhas papoulas”.

Para aqueles plantadores de papoulas e outros milhares como eles, a volta do controle governamental, por democrático que seja, implica sempre a mesma ameaça mortal: a erradicação do ópio.

Entre tiros e gritaria, os comandantes militares norte-americanos, por estranho que pareça, pareciam não saber, até aquele momento, que Marja pode ser descrita como a capital mundial da heroína – com centenas de laboratórios, cuidadosamente camuflados nas casas de tijolos de argila da região, onde se processa regularmente a colheita local de papoula e se a converte em heroína de alto grau de pureza. De fato, os campos da Província de Helmand produzem nada menos que espantosos 40% da produção mundial do ópio ilícito, e boa parte da colheita é comercializada em Marja. Correndo por aqueles campos de ópio para atacar os Talibã no primeiro dia da ofensiva, os Marines passavam sem ver pelo seu verdadeiro inimigo, a força que mantém viva a guerrilha Talibã; e perseguiram o que não passa de floração nova de guerrilheiros camponeses cujas armas e salários são pagos pelos pés de papoula. “Não se pode vencer essa guerra”, disse um funcionário da embaixada dos EUA, de volta de uma viagem de inspeção pelos distritos do ópio, “sem acabar com a produção de drogas na Província de Helmand.”

De fato, enquanto o “Air Force One” voava rumo a Cabul, domingo, James L. Jones, Conselheiro para Segurança Nacional do governo Obama, dizia aos jornalistas que o presidente Obama viajara para tentar persuadir o presidente afegão Hamid Karzai a dar prioridade à “luta contra a corrupção, que tiraria o alento dos narcotraficantes”. O comércio de drogas, acrescentou ele, “alimenta o motor econômico a favor dos ‘insurgentes’”.

Assim como os plantadores de Marja estragaram a festa ‘jornalística’ do general McChrystal, assim também os mesmos plantadores e suas colheitas conseguiram subverter todos os governos e todos os Estado que se tentou implantar no Afeganistão nos últimos 30 anos. Durante a guerra oculta da CIA nos anos 80s, o ópio financiou os mujahedeen ou “combatentes da liberdade” (como os chamava o presidente Ronald Reagan), que finalmente forçaram os soviéticos a abandonar o país e derrotaram o Estado marxista cliente.

No final da década dos 90s, os Talibãs, que haviam tomado o poder em praticamente todo o país, desafiaram a legitimidade internacional porque protegeram o ópio e lucraram com ele – até que, ironicamente, foram derrubados do poder apenas alguns meses depois de mudar de curto e proibir a colheita. A partir da intervenção militar pelos EUA em 2001, uma maré montante de ópio corrompeu o governo em Cabul e devolveu o poder aos Talibãs ressurgentes, cujos guerrilheiros assumiram o controle sobre porções cada dia maiores do interior do Afeganistão.

Essas três eras de guerra praticamente sem interrupção alimentaram um crescimento sem controle da colheita de ópio no Afeganistão – que subiu de apenas 250 toneladas em 1979, para 8.200 toneladas em 2007. Nos últimos cinco anos, a colheita afegã de ópio é responsável por 50% do PIB nacional e é matéria prima para a produção de mais de 90% da heroína que circula no planeta.

A devastação do meio ambiente e o desmanche social que essas três décadas de guerra provocaram empurraram o ópio para cada vez mais fundo no tecido social do Afeganistão, a tal ponto que a situação hoje praticamente não pode ser nem compreendida, nem modificada, nem pelas mais brilhantes mentes de Washington (como tampouco pode ser, nem compreendida, nem modificada pelas mais incapazes e mais incompetentes). Gaguejando entre ignorar o ópio e exigir “total erradicação”, o governo Bush capengou durante sete anos, enquanto a heroína ganhava mercados mundiais; de tanto gaguejar e capengar, ajudou a criar uma economia da droga que corrompeu, devorou e paralisou o governo de seu aliado Presidente Karzai.

Atualmente, a produção de ópio alimenta 500 mil famílias afegãs, cerca de 20% da população nacional, e financia uma guerrilha dos Talibãs que, desde 2006, só fez expandir-se para o interior do país.

Para entender a Guerra do Afeganistão, é indispensável entender um ponto: em países pobres, com Estado que não oferece serviços básicos, a agricultura é a base de todas as políticas – e os camponeses e agricultores ligam-se a senhores-da-guerra ou a rebeldes, pelas mesmas razões pelas quais se ligariam a um Estado que provesse as condições mínimas de sobrevivência. O objetivo último da estratégia da contraguerrilha é estabelecer a autoridade do Estado. Quando a economia é ilícita e, por definição, escapa a qualquer controle pelo Estado, a tarefa da contraguerrilha torna-se gigantesca. Mas se acontece de os guerrilheiros capturarem aquela economia ilícita, como fizeram os Talibãs, nesse caso a contraguerrilha passa a ser tarefa quase, na prática, irrealizável.

Ópio é droga ilegal, mas a colheita de papoulas no Afeganistão continua na base de redes de confiança social que ligam as pessoas em todas as etapas da cadeia de produção. Os empréstimos são indispensáveis para a semeadura, as relações de trabalho são vitais na colheita, a estabilidade é indispensável para a comercialização e a segurança é indispensável para o embarque. A economia do ópio é tão dominante e problemática no Afeganistão de hoje que é indispensável propor a questão da qual Washington foge há nove anos: é possível pacificar um narco-Estado maduro?

A resposta a essa questão crucial deve ser buscada na história das três guerras do Afeganistão nas quais Washington esteve envolvida nos últimos 30 anos – a guerra oculta da CIA nos anos 80s, a guerra civil dos anos 90s (iniciada pelo financiamento produzido pela CIA, de 900 milhões de dólares) e, desde 2001, a invasão, ocupação e campanhas contraguerrilhas movidas pelos EUA. Em cada um desses conflitos, Washington tolerou o tráfico de drogas feito pelos seus aliados afegãos e entendido como preço do sucesso militar – política de negligência considerada benigna que ajudou a fazer do Afeganistão o mais consumado e maduro narco-Estado que há hoje no mundo.

Os anos 80s: guerra secreta da CIA, crescimento
dos campos de papoula e dos laboratórios de refino

O ópio surgiu como elemento-chave da política afegã durante a guerra oculta da CIA contra os soviéticos, a última de uma série de operações secretas desencadeadas nas terras montanhosas dessa região da Ásia, que se estende por 6.500km, da Turquia à Tailândia. No final da década dos 40s, enquanto a Guerra Fria ganhava ímpeto, os EUA, primeiro, planejaram e executaram ataques encobertos contra os comunistas nessa área de montanhas – em Burma durante os anos 50s, no Laos nos anos 60s, e no Afeganistão nos anos 80s. Numa dessas ironias de que a história está cheia, a influência da China comunista e da União Soviética coincidia com a zona asiática do ópio, numa mesma região montanhosa – motivo pelo qual a CIA, desde o início, construiu alianças muito ambíguas com os senhores-da-guerra locais.

A primeira guerra de Washington no Afeganistão começou em 1979, quando a URSS invadiu o país para salvar um regime-cliente marxista com sede em Cabul, capital do Afeganistão. Vendo aí uma oportunidade para atacar seu inimigo da Guerra Fria, o governo Reagan passou a trabalhar em íntima associação com a ditadura militar paquistanesa, no que seria campanha da CIA para expulsar os soviéticos e duraria dez anos.

Foi operação secreta, mas diferente de outras operações secretas dos anos da Guerra Fria. Primeiro, o confronto entre a operação secreta da CIA e a guerra convencional dos russos devastou o frágil equilíbrio ecológico das montanhas do Afeganistão; destruiu a agricultura tradicional além de qualquer possibilidade de recuperação imediata; e fez aumentar a relevância do tráfico internacional de droga para a sobrevivência das populações locais. Além disso, e igualmente importante, em vez de a CIA fazer sua própria guerra oculta, como fizera nos anos da guerra do Laos e do Vietnã, no Afeganistão a CIA “terceirizou” grande parte das operações, que foram entregues ao serviço secreto [ing. Inter-Service Intelligence (ISI)] do Paquistão; criou assim o que em pouco tempo seria aliado poderoso, mas cada vez mais problemático.

Quando o serviço secreto do Paquistão apresentou seu cliente-aliado afegão Gulbuddin Hekmatyar, como líder supremo da resistência antissoviéticos, Washington – praticamente sem alternativas – aceitou-o.

Nos dez anos seguintes, a CIA entregou cerca de 2 bilhões de dólares aos mujahedeen afegãos através do ISI. Metade desse dinheiro foi entregue diretamente a Hekmatyar, fundamentalista violento, conhecido por ter jogado ácido no rosto de mulheres sem véu na Universidade de Cabul [2] e, depois, pelo assassinato de opositores que disputavam a liderança do seu grupo. Em maio de 1990, quando a CIA tentava por fim às suas operações no Afeganistão, o Washington Post publicou matéria de primeira página na qual acusava o principal aliado da CIA, Hekmatyar, de operar uma cadeia de laboratórios de refino de heroína em território paquistanês, sob proteção do serviço secreto do Paquistão (ISI).

Em meados dos anos 70s não se produzia heroína nessa área. A guerra secreta da CIA serviu como catalisador que converteu a fronteira Afeganistão-Paquistão na principal região de produção de heroína do planeta. À medida que os guerrilheiros mujahedeen capturavam as principais áreas agricultáveis em território do Afeganistão no início da década dos 80s, começaram também a recolher um imposto revolucionário sobre a papoula, pago pelos camponeses que os apoiavam.

Depois de os guerrilheiros afegãos terem levado o ópio para o outro lado da fronteira, passaram a vender matéria prima para centenas de laboratórios paquistaneses de refino de heroína que operavam sob proteção do serviço secreto do Paquistão. Entre 1981 e 1990, a produção afegã de ópio foi multiplicada por 10 – de 250 toneladas, para 2.000 toneladas. Apenas dois anos depois de iniciada a operação em que a CIA apoiou secretamente os guerrilheiros afegãos, o Procurador Geral dos EUA anunciou, em 1981, que o Paquistão já era fonte de 60% da heroína que chegava aos EUA. Na Europa e na Rússia, a heroína paquistanesa rapidamente conquistou parcelas cada vez maiores dos mercados locais e no próprio Paquistão o número de dependentes subiu de zero em 1979, para 1,2 milhão apenas cinco anos depois.

Depois de investir 3 bilhões de dólares para destruir o Afeganistão, Washington simplesmente partiu de lá, em 1992, deixando atrás de si um país totalmente devastado, com mais de um milhão de mortos, cinco milhões de refugiados, alguma coisa entre 10 milhões e 20 milhões de minas ainda não desativadas, a infraestrutura arruinada, a economia em frangalhos, e vários senhores-da-guerra armados e prontos para lutar entre eles pelo controle da capital. Mesmo depois de Washington ter finalmente interrompido o financiamento secreto para aquelas operações, no final de 1991, ainda assim o serviço secreto do Paquistão continuou a favorecer os senhores-da-guerra locais, em sua meta de longo prazo, de instalar um regime cliente pashtun em Cabul.

Os anos 90s: Senhores-da-droga, dentes de dragão e guerras civis

Durante os anos 90s, senhores-da-guerra locais sanguinários misturaram armas e ópio numa receita letal, parte de uma luta brutal pelo poder. Foi quase como se o solo estivesse semeado com dentes de dragão que, como conta a lenda, brotavam repentinamente e convertiam-se em soldados armados, gigantescos exércitos deles, saltando da terra de espadas em punho e prontos para a guerra.

Quando as forças da resistência do Norte finalmente arrancaram Cabul das garras do regime comunista – que sobreviveu ainda por três anos depois da retirada dos soviéticos – o Paquistão ainda financiava seu aliado Hekmatyar. E ele, por sua vez, descarregou seus canhões sobre a capital sitiada. Resultado: só nesse ataque morreram mais 50 mil afegãos. Mas nem um massacre dessas proporções bastaria para levar ao poder aquele fundamentalista impopular. Então o serviço secreto do Paquistão (ISI) criou e armou uma nova força, os Talibãs. Em setembro de 1996, os Talibãs afinal conseguiram capturar Cabul, o que só lhes rendeu mais cinco anos de guerra contra a Aliança do Norte, nos vales do norte da capital.

Durante esses anos de uma guerra civil que parecia interminável, as facções em luta apoiaram-se pesadamente no ópio como fonte de recursos para financiar a guerra; daí que, em 1999, a colheita de papoula já duplicara, para 4.600 toneladas. Nessas duas décadas de guerra e aumento de 22 vezes na produção de drogas, o próprio Afeganistão foi sendo lentamente convertido, de ecossistema agrícola diversificado – criação de gado, hortaliças e colheitas de mais de 60 itens de alimentação – em a primeira economia do mundo dependente da produção de uma única droga ilegal. No processo, uma já frágil ecologia humana foi arrastada para situação de ruína jamais vista no planeta.

Localizada na franja norte da região das chuvas anuais de monção, onde as nuvens que chegam formam-se na área já muito seca do Mar da Arábia, o Afeganistão é terra árida. As colheitas de alimento sempre foram mantidas por sistemas de irrigação abastecidos por água do degelo das altas montanhas. Para suplementar as colheitas, por exemplo, de trigo, muitas tribos afegãs têm de conduzir grandes rebanhos de ovelhas e bodes em deslocamentos de centenas de quilômetros, até as pastagens de verão nos planaltos centrais do país. Muito importante também nessa economia são as colheitas de plantas perenes – castanhas, pistaches e amoras – que sobrevivem porque são plantas de raízes longas, que alcançam águas muito profundas e resistem aos longos períodos de estiagem; nos anos mais secos, são o único alívio existente para a fome.

Nessas duas décadas de guerra, armas modernas, de poder de fogo devastador, dizimaram os rebanhos, destruíram as redes de irrigação e todas as hortas. Enquanto os soviéticos limitavam-se aos tiros, os Talibãs, com faro animal para acertar a jugular da vida social e econômica de sua gente, violaram todas as regras tradicionais da guerra afegã e dedicaram-se a destruir as hortas, plantações e rebanhos domésticos que havia na vasta planície Shamali ao norte de Cabul.

Todos esses fios de destruição se autoteceram até constituir um nó górdio de sofrimento humano, para o qual o ópio aparece como única saída. Como a espada legendária de Alexandre, o ópio serviu de via direta para fora de um quadro desesperadoramente complexo. Sem ajuda para recompor os rebanhos, replantar os campos ou refazer as hortas, os agricultores afegãos – os que sobreviveram e mais 3 milhões de refugiados que voltaram – encontraram um meio de sustento no ópio, que historicamente sempre foi parte muito pequena, mas sempre presente, da agricultura afegã.

O cultivo do ópio exige nove vezes mais mão de obra por hectare que o trigo; por isso, foi fonte imediata de emprego temporário para mais de um milhão de afegãos – metade dos quais, pelo menos, estavam desempregados naquele momento. Nessa terra devastada e nessa economia arruinada, só os mercadores do ópio poderiam acumular capital rapidamente; com esse capital acumulado, puderam oferecer aos plantadores de papoula financiamentos equivalentes a mais da metade de seus lucros anuais, um crédito crucialmente importante para a sobrevivência de muitos aldeões pobres.

O artigo completo ( aqui)

Notas:
[
1] Alfred W. McCoy é professor na cátedra J.R.W. Smail, de História, da University of Wisconsin-Madison. É autor de The Politics of Heroin: CIA Complicity in the Global Drug Trade, em que disseca a conjuntura das drogas ilegais e de operações clandestinas ao longo de 50 anos. Seu livro mais recente, Policing America’s Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of the Surveillance State, examina a influência de operações de guerrilha por todo o mundo na expansão de medidas de segurança internas nos EUA.
[2] Há exatamente a mesma referência a Hekmatyar em CHOMSKY, Noam. 23/3/2010. “The evil scourge of terrorism”: “Reality, construction, remedy”. Conferência na International Erich Fromm Society, Stuttgart, Germany (em inglês em http://chomsky.info/talks/20100323.htm ).

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.tomdispatch.com/post/175225/tomgram:_alfred_mccoy,_afghanistan_as_a_drug_war
__
e
http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/LD01Df02

Tradução: Caia Fittipaldi

Do Blog vi o mundo

As guerras do ópio no Afeganistão

por Alfred W. McCoy[1], no Tom Dispatch e reproduzido no Asia Times Online

Por vias que a maioria dos observadores não vêem, o governo Obama já está enredado no ciclo infinito de drogas e morte no Afeganistão do qual não há saída óbvia e que não tem fim à vista.
Depois de um ano de debates cautelosos e medidas caras, o presidente Obama finalmente deu os primeiros passos para uma nova estratégia de guerra no Afeganistão, às 2h40 da tarde do dia 13/2/2010, numa remota vila-mercado chamada Marja na província de Helmand, no sul do Afeganistão. Enquanto um enxame de helicópteros sobrevoava os arredores de Marja levantando nuvens de poeira, centenas de Marines dos EUA invadiam os campos de papoula em direção à parte murada da cidade.

Depois de uma semana de combates, o comandante geral dos EUA general Stanley A. McChrystal chegava à cidade com o vice-presidente do Afeganistão e o governador da província de Helmand. Sua missão: falar a uma coletiva de imprensa sobre a estratégia new-look de combate aos guerrilheiros baseada em levar “o Estado” e “o governo” a vilas remotas exatamente iguais a Marja.

Em ocasião cuidadosamente planejada com a presença de cerca de 200 moradores locais, pressupostos favoráveis ao “Estado” e ao “governo”, o vice-presidente e o governador, contudo, enfrentaram fúria inesperada e muito clara. “Se vierem com tratores”, disse uma viúva afegã, apoiada num coro de fazendeiros locais, “terão de passar com os tratores sobre mim e terão de me matar, antes de destruir minhas papoulas”.

Para aqueles plantadores de papoulas e outros milhares como eles, a volta do controle governamental, por democrático que seja, implica sempre a mesma ameaça mortal: a erradicação do ópio.

Entre tiros e gritaria, os comandantes militares norte-americanos, por estranho que pareça, pareciam não saber, até aquele momento, que Marja pode ser descrita como a capital mundial da heroína – com centenas de laboratórios, cuidadosamente camuflados nas casas de tijolos de argila da região, onde se processa regularmente a colheita local de papoula e se a converte em heroína de alto grau de pureza. De fato, os campos da Província de Helmand produzem nada menos que espantosos 40% da produção mundial do ópio ilícito, e boa parte da colheita é comercializada em Marja. Correndo por aqueles campos de ópio para atacar os Talibã no primeiro dia da ofensiva, os Marines passavam sem ver pelo seu verdadeiro inimigo, a força que mantém viva a guerrilha Talibã; e perseguiram o que não passa de floração nova de guerrilheiros camponeses cujas armas e salários são pagos pelos pés de papoula. “Não se pode vencer essa guerra”, disse um funcionário da embaixada dos EUA, de volta de uma viagem de inspeção pelos distritos do ópio, “sem acabar com a produção de drogas na Província de Helmand.”

De fato, enquanto o “Air Force One” voava rumo a Cabul, domingo, James L. Jones, Conselheiro para Segurança Nacional do governo Obama, dizia aos jornalistas que o presidente Obama viajara para tentar persuadir o presidente afegão Hamid Karzai a dar prioridade à “luta contra a corrupção, que tiraria o alento dos narcotraficantes”. O comércio de drogas, acrescentou ele, “alimenta o motor econômico a favor dos ‘insurgentes’”.

Assim como os plantadores de Marja estragaram a festa ‘jornalística’ do general McChrystal, assim também os mesmos plantadores e suas colheitas conseguiram subverter todos os governos e todos os Estado que se tentou implantar no Afeganistão nos últimos 30 anos. Durante a guerra oculta da CIA nos anos 80s, o ópio financiou os mujahedeen ou “combatentes da liberdade” (como os chamava o presidente Ronald Reagan), que finalmente forçaram os soviéticos a abandonar o país e derrotaram o Estado marxista cliente.

No final da década dos 90s, os Talibãs, que haviam tomado o poder em praticamente todo o país, desafiaram a legitimidade internacional porque protegeram o ópio e lucraram com ele – até que, ironicamente, foram derrubados do poder apenas alguns meses depois de mudar de curto e proibir a colheita. A partir da intervenção militar pelos EUA em 2001, uma maré montante de ópio corrompeu o governo em Cabul e devolveu o poder aos Talibãs ressurgentes, cujos guerrilheiros assumiram o controle sobre porções cada dia maiores do interior do Afeganistão.

Essas três eras de guerra praticamente sem interrupção alimentaram um crescimento sem controle da colheita de ópio no Afeganistão – que subiu de apenas 250 toneladas em 1979, para 8.200 toneladas em 2007. Nos últimos cinco anos, a colheita afegã de ópio é responsável por 50% do PIB nacional e é matéria prima para a produção de mais de 90% da heroína que circula no planeta.

A devastação do meio ambiente e o desmanche social que essas três décadas de guerra provocaram empurraram o ópio para cada vez mais fundo no tecido social do Afeganistão, a tal ponto que a situação hoje praticamente não pode ser nem compreendida, nem modificada, nem pelas mais brilhantes mentes de Washington (como tampouco pode ser, nem compreendida, nem modificada pelas mais incapazes e mais incompetentes). Gaguejando entre ignorar o ópio e exigir “total erradicação”, o governo Bush capengou durante sete anos, enquanto a heroína ganhava mercados mundiais; de tanto gaguejar e capengar, ajudou a criar uma economia da droga que corrompeu, devorou e paralisou o governo de seu aliado Presidente Karzai.

Atualmente, a produção de ópio alimenta 500 mil famílias afegãs, cerca de 20% da população nacional, e financia uma guerrilha dos Talibãs que, desde 2006, só fez expandir-se para o interior do país.

Para entender a Guerra do Afeganistão, é indispensável entender um ponto: em países pobres, com Estado que não oferece serviços básicos, a agricultura é a base de todas as políticas – e os camponeses e agricultores ligam-se a senhores-da-guerra ou a rebeldes, pelas mesmas razões pelas quais se ligariam a um Estado que provesse as condições mínimas de sobrevivência. O objetivo último da estratégia da contraguerrilha é estabelecer a autoridade do Estado. Quando a economia é ilícita e, por definição, escapa a qualquer controle pelo Estado, a tarefa da contraguerrilha torna-se gigantesca. Mas se acontece de os guerrilheiros capturarem aquela economia ilícita, como fizeram os Talibãs, nesse caso a contraguerrilha passa a ser tarefa quase, na prática, irrealizável.

Ópio é droga ilegal, mas a colheita de papoulas no Afeganistão continua na base de redes de confiança social que ligam as pessoas em todas as etapas da cadeia de produção. Os empréstimos são indispensáveis para a semeadura, as relações de trabalho são vitais na colheita, a estabilidade é indispensável para a comercialização e a segurança é indispensável para o embarque. A economia do ópio é tão dominante e problemática no Afeganistão de hoje que é indispensável propor a questão da qual Washington foge há nove anos: é possível pacificar um narco-Estado maduro?

A resposta a essa questão crucial deve ser buscada na história das três guerras do Afeganistão nas quais Washington esteve envolvida nos últimos 30 anos – a guerra oculta da CIA nos anos 80s, a guerra civil dos anos 90s (iniciada pelo financiamento produzido pela CIA, de 900 milhões de dólares) e, desde 2001, a invasão, ocupação e campanhas contraguerrilhas movidas pelos EUA. Em cada um desses conflitos, Washington tolerou o tráfico de drogas feito pelos seus aliados afegãos e entendido como preço do sucesso militar – política de negligência considerada benigna que ajudou a fazer do Afeganistão o mais consumado e maduro narco-Estado que há hoje no mundo.

Os anos 80s: guerra secreta da CIA, crescimento
dos campos de papoula e dos laboratórios de refino

O ópio surgiu como elemento-chave da política afegã durante a guerra oculta da CIA contra os soviéticos, a última de uma série de operações secretas desencadeadas nas terras montanhosas dessa região da Ásia, que se estende por 6.500km, da Turquia à Tailândia. No final da década dos 40s, enquanto a Guerra Fria ganhava ímpeto, os EUA, primeiro, planejaram e executaram ataques encobertos contra os comunistas nessa área de montanhas – em Burma durante os anos 50s, no Laos nos anos 60s, e no Afeganistão nos anos 80s. Numa dessas ironias de que a história está cheia, a influência da China comunista e da União Soviética coincidia com a zona asiática do ópio, numa mesma região montanhosa – motivo pelo qual a CIA, desde o início, construiu alianças muito ambíguas com os senhores-da-guerra locais.

A primeira guerra de Washington no Afeganistão começou em 1979, quando a URSS invadiu o país para salvar um regime-cliente marxista com sede em Cabul, capital do Afeganistão. Vendo aí uma oportunidade para atacar seu inimigo da Guerra Fria, o governo Reagan passou a trabalhar em íntima associação com a ditadura militar paquistanesa, no que seria campanha da CIA para expulsar os soviéticos e duraria dez anos.

Foi operação secreta, mas diferente de outras operações secretas dos anos da Guerra Fria. Primeiro, o confronto entre a operação secreta da CIA e a guerra convencional dos russos devastou o frágil equilíbrio ecológico das montanhas do Afeganistão; destruiu a agricultura tradicional além de qualquer possibilidade de recuperação imediata; e fez aumentar a relevância do tráfico internacional de droga para a sobrevivência das populações locais. Além disso, e igualmente importante, em vez de a CIA fazer sua própria guerra oculta, como fizera nos anos da guerra do Laos e do Vietnã, no Afeganistão a CIA “terceirizou” grande parte das operações, que foram entregues ao serviço secreto [ing. Inter-Service Intelligence (ISI)] do Paquistão; criou assim o que em pouco tempo seria aliado poderoso, mas cada vez mais problemático.

Quando o serviço secreto do Paquistão apresentou seu cliente-aliado afegão Gulbuddin Hekmatyar, como líder supremo da resistência antissoviéticos, Washington – praticamente sem alternativas – aceitou-o.

Nos dez anos seguintes, a CIA entregou cerca de 2 bilhões de dólares aos mujahedeen afegãos através do ISI. Metade desse dinheiro foi entregue diretamente a Hekmatyar, fundamentalista violento, conhecido por ter jogado ácido no rosto de mulheres sem véu na Universidade de Cabul [2] e, depois, pelo assassinato de opositores que disputavam a liderança do seu grupo. Em maio de 1990, quando a CIA tentava por fim às suas operações no Afeganistão, o Washington Post publicou matéria de primeira página na qual acusava o principal aliado da CIA, Hekmatyar, de operar uma cadeia de laboratórios de refino de heroína em território paquistanês, sob proteção do serviço secreto do Paquistão (ISI).

Em meados dos anos 70s não se produzia heroína nessa área. A guerra secreta da CIA serviu como catalisador que converteu a fronteira Afeganistão-Paquistão na principal região de produção de heroína do planeta. À medida que os guerrilheiros mujahedeen capturavam as principais áreas agricultáveis em território do Afeganistão no início da década dos 80s, começaram também a recolher um imposto revolucionário sobre a papoula, pago pelos camponeses que os apoiavam.

Depois de os guerrilheiros afegãos terem levado o ópio para o outro lado da fronteira, passaram a vender matéria prima para centenas de laboratórios paquistaneses de refino de heroína que operavam sob proteção do serviço secreto do Paquistão. Entre 1981 e 1990, a produção afegã de ópio foi multiplicada por 10 – de 250 toneladas, para 2.000 toneladas. Apenas dois anos depois de iniciada a operação em que a CIA apoiou secretamente os guerrilheiros afegãos, o Procurador Geral dos EUA anunciou, em 1981, que o Paquistão já era fonte de 60% da heroína que chegava aos EUA. Na Europa e na Rússia, a heroína paquistanesa rapidamente conquistou parcelas cada vez maiores dos mercados locais e no próprio Paquistão o número de dependentes subiu de zero em 1979, para 1,2 milhão apenas cinco anos depois.

Depois de investir 3 bilhões de dólares para destruir o Afeganistão, Washington simplesmente partiu de lá, em 1992, deixando atrás de si um país totalmente devastado, com mais de um milhão de mortos, cinco milhões de refugiados, alguma coisa entre 10 milhões e 20 milhões de minas ainda não desativadas, a infraestrutura arruinada, a economia em frangalhos, e vários senhores-da-guerra armados e prontos para lutar entre eles pelo controle da capital. Mesmo depois de Washington ter finalmente interrompido o financiamento secreto para aquelas operações, no final de 1991, ainda assim o serviço secreto do Paquistão continuou a favorecer os senhores-da-guerra locais, em sua meta de longo prazo, de instalar um regime cliente pashtun em Cabul.

Os anos 90s: Senhores-da-droga, dentes de dragão e guerras civis

Durante os anos 90s, senhores-da-guerra locais sanguinários misturaram armas e ópio numa receita letal, parte de uma luta brutal pelo poder. Foi quase como se o solo estivesse semeado com dentes de dragão que, como conta a lenda, brotavam repentinamente e convertiam-se em soldados armados, gigantescos exércitos deles, saltando da terra de espadas em punho e prontos para a guerra.

Quando as forças da resistência do Norte finalmente arrancaram Cabul das garras do regime comunista – que sobreviveu ainda por três anos depois da retirada dos soviéticos – o Paquistão ainda financiava seu aliado Hekmatyar. E ele, por sua vez, descarregou seus canhões sobre a capital sitiada. Resultado: só nesse ataque morreram mais 50 mil afegãos. Mas nem um massacre dessas proporções bastaria para levar ao poder aquele fundamentalista impopular. Então o serviço secreto do Paquistão (ISI) criou e armou uma nova força, os Talibãs. Em setembro de 1996, os Talibãs afinal conseguiram capturar Cabul, o que só lhes rendeu mais cinco anos de guerra contra a Aliança do Norte, nos vales do norte da capital.

Durante esses anos de uma guerra civil que parecia interminável, as facções em luta apoiaram-se pesadamente no ópio como fonte de recursos para financiar a guerra; daí que, em 1999, a colheita de papoula já duplicara, para 4.600 toneladas. Nessas duas décadas de guerra e aumento de 22 vezes na produção de drogas, o próprio Afeganistão foi sendo lentamente convertido, de ecossistema agrícola diversificado – criação de gado, hortaliças e colheitas de mais de 60 itens de alimentação – em a primeira economia do mundo dependente da produção de uma única droga ilegal. No processo, uma já frágil ecologia humana foi arrastada para situação de ruína jamais vista no planeta.

Localizada na franja norte da região das chuvas anuais de monção, onde as nuvens que chegam formam-se na área já muito seca do Mar da Arábia, o Afeganistão é terra árida. As colheitas de alimento sempre foram mantidas por sistemas de irrigação abastecidos por água do degelo das altas montanhas. Para suplementar as colheitas, por exemplo, de trigo, muitas tribos afegãs têm de conduzir grandes rebanhos de ovelhas e bodes em deslocamentos de centenas de quilômetros, até as pastagens de verão nos planaltos centrais do país. Muito importante também nessa economia são as colheitas de plantas perenes – castanhas, pistaches e amoras – que sobrevivem porque são plantas de raízes longas, que alcançam águas muito profundas e resistem aos longos períodos de estiagem; nos anos mais secos, são o único alívio existente para a fome.

Nessas duas décadas de guerra, armas modernas, de poder de fogo devastador, dizimaram os rebanhos, destruíram as redes de irrigação e todas as hortas. Enquanto os soviéticos limitavam-se aos tiros, os Talibãs, com faro animal para acertar a jugular da vida social e econômica de sua gente, violaram todas as regras tradicionais da guerra afegã e dedicaram-se a destruir as hortas, plantações e rebanhos domésticos que havia na vasta planície Shamali ao norte de Cabul.

Todos esses fios de destruição se autoteceram até constituir um nó górdio de sofrimento humano, para o qual o ópio aparece como única saída. Como a espada legendária de Alexandre, o ópio serviu de via direta para fora de um quadro desesperadoramente complexo. Sem ajuda para recompor os rebanhos, replantar os campos ou refazer as hortas, os agricultores afegãos – os que sobreviveram e mais 3 milhões de refugiados que voltaram – encontraram um meio de sustento no ópio, que historicamente sempre foi parte muito pequena, mas sempre presente, da agricultura afegã.

O cultivo do ópio exige nove vezes mais mão de obra por hectare que o trigo; por isso, foi fonte imediata de emprego temporário para mais de um milhão de afegãos – metade dos quais, pelo menos, estavam desempregados naquele momento. Nessa terra devastada e nessa economia arruinada, só os mercadores do ópio poderiam acumular capital rapidamente; com esse capital acumulado, puderam oferecer aos plantadores de papoula financiamentos equivalentes a mais da metade de seus lucros anuais, um crédito crucialmente importante para a sobrevivência de muitos aldeões pobres.

Em marcado contraste com as dificuldades que impunha às demais plantações, o clima árido do país mostrou-se ideal para o cultivo da papoula. Em média cada hectare plantado com papoulas no Afeganistão rende cinco vezes mais que no principal concorrente, Burma. Mais importante que tudo, naquele ecossistema árido, sujeito a secas periódicas, o ópio consome menos que a metade da água necessária para outros cultivos, como o trigo.

Depois de tomar o poder em 1996, o regime dos Talibãs estimulou a expansão do plantio de papoulas em todo o país, dobrando a produção para 4.600 toneladas, então equivalente a 75% da heroína que o mundo consumia. Evidenciando o apoio que dava à produção de drogas, o regime Talibã passou a recolher imposto de 20% sobre a colheita anual de papoula, o que lhe rendeu cerca de 100 milhões de dólares de arrecadação.

Em retrospecto, a principal inovação do regime foi sem dúvida a introdução do refino de heroína em larga escala, nos arredores da cidade de Jalalabad. Ali foram postos a funcionar centenas de laboratórios de tratamento de matéria prima, que pagavam apenas um modesto imposto de produção de 70 dólares por quilo de pó de heroína. Segundo pesquisadores da ONU, os Talibãs também passaram a controlar os mercados regionais de ópio nas províncias de Helmand e Nangarhar, protegendo 240 grandes comerciantes ali instalados.

Durante os anos 90s, a crescente colheita de ópio do Afeganistão alimentou uma rede internacional de contrabando que ligou a Ásia Central, a Rússia e a Europa, num vasto mercado ilícito de armas, drogas e lavagem de dinheiro. Também ajudou a eclosão de uma guerrilha étnica numa faixa de terra de quase 6.000 km que vai do Uzbequistão na Ásia Central, à Bósnia, nos Bálcãs.

Mas em julho de 2000, o líder Mullah Omar dos Talibãs repentinamente determinou a proibição total do cultivo do ópio, em desesperada tentativa de conquistar reconhecimento internacional. Também repentinamente, todo o regime Talibã passou a fazer a mais violenta repressão, do tipo da que fez sua fama, a ponto de reduzir a colheita de papoula em 94%, para apenas 185 toneladas métricas.

Mas àquela altura o Afeganistão já dependia da produção de papoulas e ópio para praticamente toda sua arrecadação, impostos de exportação e empregos. O ato do regime Talibã foi, de fato, ato de suicídio econômico, que levou à beira do colapso total uma sociedade já enfraquecida. Essa foi a arma oculta com que os EUA contavam quando lançaram a campanha militar contra os Talibã em outubro de 2001. Sem o ópio, o regime já não passava de uma casca vazia e praticamente implodiu sob a explosão das primeiras bombas dos EUA.

A volta da CIA, do ópio e da guerrilha: 2001-

Para derrotar os Talibãs imediatamente depois do 11/9, a CIA mobilizou com sucesso os senhores-da-guerra ativos no comércio da heroína, para tomar cidades e vilas em todo o Afeganistão leste. Em outras palavras, a CIA e seus aliados locais criaram condições ideais para reverter a proibição do ópio e dar nova vida à economia do tráfico. Poucas semanas depois do colapso dos Talibãs, relatórios oficiais já falavam de um renascimento dos campos de papoula nos territórios da heroína em Helmand e Nangarhar. Em conferência em Tóquio com investidores internacionais em janeiro e 2002, Hamid Karzai, então novo primeiro-ministro lá implantado pelo governo Bush, relançou uma lei que, pelo menos pro-forma, proibia o cultivo da papoula. Mas não tinha meios para fazer cumprir a lei, contra o poder ressurgente dos senhores-da-guerra locais.

Depois de ter investido quase 3 bilhões de dólares para destruir o Afeganistão durante a Guerra Fria, Washington e seus aliados, agora, mostram-se muito contidos na oferta de fundos para a reconstrução. Naquele encontro de investidores em 2002 em Tóquio, os investidores internacionais prometeram apenas 4 bilhões dos 10 bilhões que se estimavam necessários para reconstruir a economia afegã nos cinco anos seguintes. Além disso, o gasto total dos EUA, de 22 bilhões para o Afeganistão entre 2003 e 2007, foi destinado a operações militares, com apenas 237 milhões de dólares destinados à agricultura. (Como no Iraque, parcelas consideráveis do que se supôs que fossem fundos para reconstrução acabaram no cofre de especialistas ocidentais, empresas de construção e seus sócios e parceiros locais.)

Nessas circunstâncias, ninguém deveria surpreender-se quando, durante o quinto ano da ocupação norte-americana, a colheita afegã de papoula subiu à estratosfera de 3.400 toneladas. Nos cinco anos seguintes, investidores internacionais pagariam 8 bilhões para reconstruir o Afeganistão, e o ópio injetaria quase o dobro disso, 16 bilhões, diretamente na economia rural sem deduções para pagar especialistas ocidentais e burocratas de Cabul.

Enquanto a produção de ópio crescia sem parar, o governo Bush subestimava o problema, “terceirizava” para a Grã-Bretanha o controle dos narcóticos e para os alemães o treinamento dos policiais. Como comando geral das operações dos aliados, o departamento de Defesa de Donald Rumsfeld via o ópio como detalhe que atrapalhava os projetos de derrotar os Talibãs (e, claro, de invadir o Iraque). Descartando a questão no final de 2004, o presidente Bush disse que “não desperdiçaria sequer uma vida norte-americana a mais, num narco-Estado”. Enquanto isso, nas operações de contraguerrilha, o exército dos EUA trabalhava em íntima relação com os senhores-da-guerra locais que, não por acaso, eram também os principais senhores-da-droga.
Depois de cinco anos de ocupação norte-americana, a produção de drogas do Afeganistão alcançava proporções sem precedentes. Em agosto de 2007, a ONU informava que o país alcançara colheita recorde de papoulas, plantadas em quase 500 mil acres, área superior à soma de todos os campos de coca na América Latina. De modestas 185 toneladas no início da intervenção dos EUA em 2001, o Afeganistão produzia então 8.200 toneladas de ópio, que geravam impressionantes 53% do PIB e 93% da produção global de heroína.

Assim aconteceu de o Afeganistão tornar-se o primeiro “narco-Estado” mundial. Se o tráfico de cocaína, que equivalia a apenas 3% do PIB da Colômbia, bastara para gerar infinita violência e cartéis poderosos capazes de corromper todo o governo, não é preciso muita imaginação para estimar as consequências da dependência do ópio, no Afeganistão, onde o ópio responde por mais de 50% de toda a economia nacional.

Em conferência sobre drogas em Cabul, esse mês, o chefe do Serviço Nacional de Narcóticos da Rússia estimou em 65 bilhões de dólares o ópio que está sendo colhido no Afeganistão. Apenas 500 milhões desse total chegarão aos plantadores afegãos; 300 milhões irão para os guerrilheiros Talibãs; os restantes 64 bilhões de dólares irão para “a máfia da droga”, que, assim, terá muitos fundos com os quais corromper o governo Karzai, em nação cujo PIB é de apenas 10 bilhões de dólares.

De fato, a influência do ópio é tão perversa que muitos funcionários afegãos, de líderes de vilas ao chefe de Polícia em Cabul, o ministro da Defesa e até o irmão do presidente já foram maculados pelo tráfico. Essa corrupção é tão contagiosa que, segundo estimativas da ONU, os afegãos são obrigados a consumir espantosos 2,5 bilhões de dólares em propinas. Não surpreendentemente, as repetidas tentativas do governo para erradicar o ópio são sempre minadas pelo que a ONU chama de “negócios corruptos entre proprietários dos campos, anciãos das vilas e equipes de erradicação das plantações.”

Não só os impostos do ópio financiaram a expansão das forças da guerrilha; os Talibãs também tiveram papel de destaque na proteção aos plantadores e aos mercadores de heroína; dado que todos dependem das colheitas e da circulação do produto, os Talibãs alcançaram controle absoluto sobre o coração da economia afegã. Em janeiro de 2009, funcionários da ONU e “agentes da inteligência” não identificados estimavam que o tráfico de drogas garante à guerrilha Talibã cerca de 400 milhões de dólares anuais. “Claro”, comentou o secretário de Defesa Robert Gates, “que temos de caçar os laboratórios de refino e os senhores-da-droga que dão apoio aos Talibãs e outros insurgentes.”

Em meados de 2009, a embaixada dos EUA criou uma operação conjunta de várias agências, chamada “Célula Financeira da Ameaça Afegã” [ing. Afghan Threat Finance Cell], para cortar o suprimento de dinheiro da droga para os Talibãs mediante controles financeiros. Imediatamente depois, um funcionário dos EUA disse que seu trabalho era como “escrever na água”. Em agosto de 2009, um frustrado governo Obama já ordenava aos militares “matar ou capturar” 50 senhores-da-droga ligados aos Talibãs, cujos nomes estavam numa lista secreta rubricada “matar”.

Desde a colheita recorde de 2007, a produção de ópio, de fato, declinou ligeiramente – chegou a 6.900 toneladas ano passado (ainda acima de 90% de todo o ópio que o mundo consome). Embora os analistas da ONU atribuam a redução aos esforços de erradicação, a causa mais provável é a superprodução de heroína que aconteceu depois do boom do ópio afegão, e que deprimiu o preço da papoula em 34%. De fato, mesmo essa menor oferta de ópio afegão está muito acima da demanda mundial – que a ONU estima em cerca de 5.000 toneladas por ano.

Relatórios preliminares sobre a colheita de ópio afegão em 2010 – colheita que será iniciada no próximo mês – indicam que o problema está longe de superado. Funcionários norte-americanos que supervisionam a área do ópio na província de Helmand vêem sinais de colheita maior que a anunciada. Nem os especialistas em drogas nos EUA que haviam predito queda continuada na produção mostram qualquer otimismo para o longo prazo. É possível que o preço do ópio caia durante alguns anos, mas os preços do trigo e de outros produtos sempre cairão mais e mais depressa; e a papoula continuará a ser, de longe, a semeadura mais rendosa para os plantadores afegãos mais pobres.

Fim do ciclo de drogas e morte

Com suas forças agora plantadas no solo dos dentes de dragão do Afeganistão, Washington está presa no que parece ser um ciclo sem fim de drogas e morte. A cada primavera nessas montanhas escarpadas, a neve derrete, os bulbos de papoula eclodem e umas novas colheitas de combatentes Talibãs ganham os campos, muitos dos quais para morrer sob o fogo dos EUA. E no ano seguinte a neve outra vez derrete, novos bulbos eclodem nos pés de papoula, e novas colheitas de combatentes Talibãs adolescentes pegam em armas contra os EUA, e o sangue volta a jorrar. Esse ciclo repete-se há dez anos e, a menos que alguma coisa mude muito, o ciclo continuará indefinidamente.

Há alguma alternativa? Ainda que o custo para reconstruir a economia rural afegã – com seus rebanhos, hortas e colheita de grãos e hortaliças para comer – chegasse a 30 bilhões, ou mesmo que alcançasse 90 bilhões, o dinheiro existe e está à mão. Segundo estimativas conservadoras, o “avanço” de 30 mil soldados que o presidente Obama mandou para lá custa, só o “avanço”, 30 bilhões de dólares ao ano. Bastaria trazer os soldados de volta para casa e haveria fundos para reconstruir a vida rural no Afeganistão, oferecendo aos agricultores algum meio para plantar e alimentar as famílias, sem pensar em unir-se ao exército dos Talibãs.

A apenas alguns passos de ter de fazer outra retirada precipitada como em 1991, Washington continua sem qualquer alternativa realista senão a cara e demorada reconstrução da agricultura do Afeganistão. Por trás da onda de um exército aliado que já chega hoje a 120 mil soldados, o ópio fez crescer os Talibãs até convertê-los em governo-sombra e em efetivo exército de guerrilheiros.

A ideia de que a presença militar expandida do ocidente estaria fazendo aquela força recuar e estaria pacificando a polícia afegã, de homens analfabetos e dependente de drogas; ou que reconstituiria o exército é hoje, como sempre foi, pura fantasia. Soluções imediatistas, como pagar os plantadores de papoula para que não plantem, ideia de britânicos e norte-americanos já tentaram, têm alta probabilidade de resultar, como tiro pela culatra, em aumento do cultivo de ópio. Rápida erradicação de uma cultura de drogas, sem emprego alternativo, ideia que a empresa DynCorp tentou com fracasso estrondoso, sob um contrato de 150 milhões de dólares em 2005, resultaria apenas em mais miséria para o Afeganistão, represaria a revolta em massa e desestabilizaria ainda mais o governo de Cabul.

A escolha, portanto, está aí e é bem clara: podemos continuar a adubar com mais sangue aquele solo mortal, em mais guerra brutal e sem qualquer resultado proveitoso – nem para os EUA nem para o Afeganistão. Ou podemos começar a retirar de lá as forças dos EUA, ao mesmo tempo em que podemos ajudar a renovar aquela terra árida e antiga, a recriar suas hortas, reconstituir seus rebanhos e renovar os sistemas de irrigação destruídos em décadas de guerra.

Nesse ponto, nossa única escolha realista é esse tipo de desenvolvimento rural sério – quer dizer, reconstruir a área rural do Afeganistão mediante vários pequenos projetos, até que a colheita de alimentos torne-se alternativa economicamente viável ao plantio e colheita e comercialização da papoula e do ópio. Dito de forma mais simples, tão simples que até Washington entenderá, só se conseguirá pacificar um narco-Estado quando ele já não for narco-Estado.


Notas:
[1] Alfred W. McCoy é professor na cátedra J.R.W. Smail, de História, da University of Wisconsin-Madison. É autor de The Politics of Heroin: CIA Complicity in the Global Drug Trade, em que disseca a conjuntura das drogas ilegais e de operações clandestinas ao longo de 50 anos. Seu livro mais recente, Policing America’s Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of the Surveillance State, examina a influência de operações de guerrilha por todo o mundo na expansão de medidas de segurança internas nos EUA.
[2] Há exatamente a mesma referência a Hekmatyar em CHOMSKY, Noam. 23/3/2010. “The evil scourge of terrorism”: “Reality, construction, remedy”. Conferência na International Erich Fromm Society, Stuttgart, Germany (em inglês em http://chomsky.info/talks/20100323.htm ).

O artigo original, em ingles, pode ser lido em:
http://www.tomdispatch.com/post/175225/tomgram:_alfred_mccoy,_afghanistan_as_a_drug_war
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e
http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/LD01Df02

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Ou copiado/colado a seguir:

As guerras do ópio no Afeganistão
30/3/2010, Alfred W. McCoy[1], Tom Dispatch e reproduzido no Asia Times Online

http://www.tomdispatch.com/authors/mccoy/

Por vias que a maioria dos observadores não vêem, o governo Obama já está enredado no ciclo infinito de drogas e morte no Afeganistão do qual não há saída óbvia e que não tem fim à vista.
Depois de um ano de debates cautelosos e medidas caras, o presidente Obama finalmente deu os primeiros passos para uma nova estratégia de guerra no Afeganistão, às 2h40 da tarde do dia 13/2/2010, numa remota vila-mercado chamada Marja na província de Helmand, no sul do Afeganistão. Enquanto um enxame de helicópteros sobrevoava os arredores de Marja levantando nuvens de poeira, centenas de Marines dos EUA invadiam os campos de papoula em direção à parte murada da cidade.

Depois de uma semana de combates, o comandante geral dos EUA general Stanley A. McChrystal chegava à cidade com o vice-presidente do Afeganistão e o governador da província de Helmand. Sua missão: falar a uma coletiva de imprensa sobre a estratégia new-look de combate aos guerrilheiros baseada em levar “o Estado” e “o governo” a vilas remotas exatamente iguais a Marja.

Em ocasião cuidadosamente planejada com a presença de cerca de 200 moradores locais, pressupostos favoráveis ao “Estado” e ao “governo”, o vice-presidente e o governador, contudo, enfrentaram fúria inesperada e muito clara. “Se vierem com tratores”, disse uma viúva afegã, apoiada num coro de fazendeiros locais, “terão de passar com os tratores sobre mim e terão de me matar, antes de destruir minhas papoulas”.

Para aqueles plantadores de papoulas e outros milhares como eles, a volta do controle governamental, por democrático que seja, implica sempre a mesma ameaça mortal: a erradicação do ópio.

Entre tiros e gritaria, os comandantes militares norte-americanos, por estranho que pareça, pareciam não saber, até aquele momento, que Marja pode ser descrita como a capital mundial da heroína – com centenas de laboratórios, cuidadosamente camuflados nas casas de tijolos de argila da região, onde se processa regularmente a colheita local de papoula e se a converte em heroína de alto grau de pureza. De fato, os campos da Província de Helmand produzem nada menos que espantosos 40% da produção mundial do ópio ilícito, e boa parte da colheita é comercializada em Marja. Correndo por aqueles campos de ópio para atacar os Talibã no primeiro dia da ofensiva, os Marines passavam sem ver pelo seu verdadeiro inimigo, a força que mantém viva a guerrilha Talibã; e perseguiram o que não passa de floração nova de guerrilheiros camponeses cujas armas e salários são pagos pelos pés de papoula. “Não se pode vencer essa guerra”, disse um funcionário da embaixada dos EUA, de volta de uma viagem de inspeção pelos distritos do ópio, “sem acabar com a produção de drogas na Província de Helmand.”

De fato, enquanto o “Air Force One” voava rumo a Cabul, domingo, James L. Jones, Conselheiro para Segurança Nacional do governo Obama, dizia aos jornalistas que o presidente Obama viajara para tentar persuadir o presidente afegão Hamid Karzai a dar prioridade à “luta contra a corrupção, que tiraria o alento dos narcotraficantes”. O comércio de drogas, acrescentou ele, “alimenta o motor econômico a favor dos ‘insurgentes’”.

Assim como os plantadores de Marja estragaram a festa ‘jornalística’ do general McChrystal, assim também os mesmos plantadores e suas colheitas conseguiram subverter todos os governos e todos os Estado que se tentou implantar no Afeganistão nos últimos 30 anos. Durante a guerra oculta da CIA nos anos 80s, o ópio financiou os mujahedeen ou “combatentes da liberdade” (como os chamava o presidente Ronald Reagan), que finalmente forçaram os soviéticos a abandonar o país e derrotaram o Estado marxista cliente.
No final da década dos 90s, os Talibãs, que haviam tomado o poder em praticamente todo o país, desafiaram a legitimidade internacional porque protegeram o ópio e lucraram com ele – até que, ironicamente, foram derrubados do poder apenas alguns meses depois de mudar de curto e proibir a colheita. A partir da intervenção militar pelos EUA em 2001, uma maré montante de ópio corrompeu o governo em Cabul e devolveu o poder aos Talibãs ressurgentes, cujos guerrilheiros assumiram o controle sobre porções cada dia maiores do interior do Afeganistão.

Essas três eras de guerra praticamente sem interrupção alimentaram um crescimento sem controle da colheita de ópio no Afeganistão – que subiu de apenas 250 toneladas em 1979, para 8.200 toneladas em 2007. Nos últimos cinco anos, a colheita afegã de ópio é responsável por 50% do PIB nacional e é matéria prima para a produção de mais de 90% da heroína que circula no planeta.

A devastação do meio ambiente e o desmanche social que essas três décadas de guerra provocaram empurraram o ópio para cada vez mais fundo no tecido social do Afeganistão, a tal ponto que a situação hoje praticamente não pode ser nem compreendida, nem modificada, nem pelas mais brilhantes mentes de Washington (como tampouco pode ser, nem compreendida, nem modificada pelas mais incapazes e mais incompetentes). Gaguejando entre ignorar o ópio e exigir “total erradicação”, o governo Bush capengou durante sete anos, enquanto a heroína ganhava mercados mundiais; de tanto gaguejar e capengar, ajudou a criar uma economia da droga que corrompeu, devorou e paralisou o governo de seu aliado Presidente Karzai.

Atualmente, a produção de ópio alimenta 500 mil famílias afegãs, cerca de 20% da população nacional, e financia uma guerrilha dos Talibãs que, desde 2006, só fez expandir-se para o interior do país.

Para entender a Guerra do Afeganistão, é indispensável entender um ponto: em países pobres, com Estado que não oferece serviços básicos, a agricultura é a base de todas as políticas – e os camponeses e agricultores ligam-se a senhores-da-guerra ou a rebeldes, pelas mesmas razões pelas quais se ligariam a um Estado que provesse as condições mínimas de sobrevivência. O objetivo último da estratégia da contraguerrilha é estabelecer a autoridade do Estado. Quando a economia é ilícita e, por definição, escapa a qualquer controle pelo Estado, a tarefa da contraguerrilha torna-se gigantesca. Mas se acontece de os guerrilheiros capturarem aquela economia ilícita, como fizeram os Talibãs, nesse caso a contraguerrilha passa a ser tarefa quase, na prática, irrealizável.

Ópio é droga ilegal, mas a colheita de papoulas no Afeganistão continua na base de redes de confiança social que ligam as pessoas em todas as etapas da cadeia de produção. Os empréstimos são indispensáveis para a semeadura, as relações de trabalho são vitais na colheita, a estabilidade é indispensável para a comercialização e a segurança é indispensável para o embarque. A economia do ópio é tão dominante e problemática no Afeganistão de hoje que é indispensável propor a questão da qual Washington foge há nove anos: é possível pacificar um narco-Estado maduro?

A resposta a essa questão crucial deve ser buscada na história das três guerras do Afeganistão nas quais Washington esteve envolvida nos últimos 30 anos – a guerra oculta da CIA nos anos 80s, a guerra civil dos anos 90s (iniciada pelo financiamento produzido pela CIA, de 900 milhões de dólares) e, desde 2001, a invasão, ocupação e campanhas contraguerrilhas movidas pelos EUA. Em cada um desses conflitos, Washington tolerou o tráfico de drogas feito pelos seus aliados afegãos e entendido como preço do sucesso militar – política de negligência considerada benigna que ajudou a fazer do Afeganistão o mais consumado e maduro narco-Estado que há hoje no mundo.

Os anos 80s: guerra secreta da CIA, crescimento dos campos de papoula e dos laboratórios de refino

O ópio surgiu como elemento-chave da política afegã durante a guerra oculta da CIA contra os soviéticos, a última de uma série de operações secretas desencadeadas nas terras montanhosas dessa região da Ásia, que se estende por 6.500km, da Turquia à Tailândia. No final da década dos 40s, enquanto a Guerra Fria ganhava ímpeto, os EUA, primeiro, planejaram e executaram ataques encobertos contra os comunistas nessa área de montanhas – em Burma durante os anos 50s, no Laos nos anos 60s, e no Afeganistão nos anos 80s. Numa dessas ironias de que a história está cheia, a influência da China comunista e da União Soviética coincidia com a zona asiática do ópio, numa mesma região montanhosa – motivo pelo qual a CIA, desde o início, construiu alianças muito ambíguas com os senhores-da-guerra locais.

A primeira guerra de Washington no Afeganistão começou em 1979, quando a URSS invadiu o país para salvar um regime-cliente marxista com sede em Cabul, capital do Afeganistão. Vendo aí uma oportunidade para atacar seu inimigo da Guerra Fria, o governo Reagan passou a trabalhar em íntima associação com a ditadura militar paquistanesa, no que seria campanha da CIA para expulsar os soviéticos e duraria dez anos.

Foi operação secreta, mas diferente de outras operações secretas dos anos da Guerra Fria. Primeiro, o confronto entre a operação secreta da CIA e a guerra convencional dos russos devastou o frágil equilíbrio ecológico das montanhas do Afeganistão; destruiu a agricultura tradicional além de qualquer possibilidade de recuperação imediata; e fez aumentar a relevância do tráfico internacional de droga para a sobrevivência das populações locais. Além disso, e igualmente importante, em vez de a CIA fazer sua própria guerra oculta, como fizera nos anos da guerra do Laos e do Vietnã, no Afeganistão a CIA “terceirizou” grande parte das operações, que foram entregues ao serviço secreto [ing. Inter-Service Intelligence (ISI)] do Paquistão; criou assim o que em pouco tempo seria aliado poderoso, mas cada vez mais problemático.

Quando o serviço secreto do Paquistão apresentou seu cliente-aliado afegão Gulbuddin Hekmatyar, como líder supremo da resistência antissoviéticos, Washington – praticamente sem alternativas – aceitou-o.

Nos dez anos seguintes, a CIA entregou cerca de 2 bilhões de dólares aos mujahedeen afegãos através do ISI. Metade desse dinheiro foi entregue diretamente a Hekmatyar, fundamentalista violento, conhecido por ter jogado ácido no rosto de mulheres sem véu na Universidade de Cabul [2] e, depois, pelo assassinato de opositores que disputavam a liderança do seu grupo. Em maio de 1990, quando a CIA tentava por fim às suas operações no Afeganistão, o Washington Post publicou matéria de primeira página na qual acusava o principal aliado da CIA, Hekmatyar, de operar uma cadeia de laboratórios de refino de heroína em território paquistanês, sob proteção do serviço secreto do Paquistão (ISI).

Em meados dos anos 70s não se produzia heroína nessa área. A guerra secreta da CIA serviu como catalisador que converteu a fronteira Afeganistão-Paquistão na principal região de produção de heroína do planeta. À medida que os guerrilheiros mujahedeen capturavam as principais áreas agricultáveis em território do Afeganistão no início da década dos 80s, começaram também a recolher um imposto revolucionário sobre a papoula, pago pelos camponeses que os apoiavam.

Depois de os guerrilheiros afegãos terem levado o ópio para o outro lado da fronteira, passaram a vender matéria prima para centenas de laboratórios paquistaneses de refino de heroína que operavam sob proteção do serviço secreto do Paquistão. Entre 1981 e 1990, a produção afegã de ópio foi multiplicada por 10 – de 250 toneladas, para 2.000 toneladas. Apenas dois anos depois de iniciada a operação em que a CIA apoiou secretamente os guerrilheiros afegãos, o Procurador Geral dos EUA anunciou, em 1981, que o Paquistão já era fonte de 60% da heroína que chegava aos EUA. Na Europa e na Rússia, a heroína paquistanesa rapidamente conquistou parcelas cada vez maiores dos mercados locais e no próprio Paquistão o número de dependentes subiu de zero em 1979, para 1,2 milhão apenas cinco anos depois.

Depois de investir 3 bilhões de dólares para destruir o Afeganistão, Washington simplesmente partiu de lá, em 1992, deixando atrás de si um país totalmente devastado, com mais de um milhão de mortos, cinco milhões de refugiados, alguma coisa entre 10 milhões e 20 milhões de minas ainda não desativadas, a infraestrutura arruinada, a economia em frangalhos, e vários senhores-da-guerra armados e prontos para lutar entre eles pelo controle da capital. Mesmo depois de Washington ter finalmente interrompido o financiamento secreto para aquelas operações, no final de 1991, ainda assim o serviço secreto do Paquistão continuou a favorecer os senhores-da-guerra locais, em sua meta de longo prazo, de instalar um regime cliente pashtun em Cabul.

Os anos 90s: Senhores-da-droga, dentes de dragão e guerras civis

Durante os anos 90s, senhores-da-guerra locais sanguinários misturaram armas e ópio numa receita letal, parte de uma luta brutal pelo poder. Foi quase como se o solo estivesse semeado com dentes de dragão que, como conta a lenda, brotavam repentinamente e convertiam-se em soldados armados, gigantescos exércitos deles, saltando da terra de espadas em punho e prontos para a guerra.

Quando as forças da resistência do Norte finalmente arrancaram Cabul das garras do regime comunista – que sobreviveu ainda por três anos depois da retirada dos soviéticos – o Paquistão ainda financiava seu aliado Hekmatyar. E ele, por sua vez, descarregou seus canhões sobre a capital sitiada. Resultado: só nesse ataque morreram mais 50 mil afegãos. Mas nem um massacre dessas proporções bastaria para levar ao poder aquele fundamentalista impopular. Então o serviço secreto do Paquistão (ISI) criou e armou uma nova força, os Talibãs. Em setembro de 1996, os Talibãs afinal conseguiram capturar Cabul, o que só lhes rendeu mais cinco anos de guerra contra a Aliança do Norte, nos vales do norte da capital.

Durante esses anos de uma guerra civil que parecia interminável, as facções em luta apoiaram-se pesadamente no ópio como fonte de recursos para financiar a guerra; daí que, em 1999, a colheita de papoula já duplicara, para 4.600 toneladas. Nessas duas décadas de guerra e aumento de 22 vezes na produção de drogas, o próprio Afeganistão foi sendo lentamente convertido, de ecossistema agrícola diversificado – criação de gado, hortaliças e colheitas de mais de 60 itens de alimentação – em a primeira economia do mundo dependente da produção de uma única droga ilegal. No processo, uma já frágil ecologia humana foi arrastada para situação de ruína jamais vista no planeta.

Localizada na franja norte da região das chuvas anuais de monção, onde as nuvens que chegam formam-se na área já muito seca do Mar da Arábia, o Afeganistão é terra árida. As colheitas de alimento sempre foram mantidas por sistemas de irrigação abastecidos por água do degelo das altas montanhas. Para suplementar as colheitas, por exemplo, de trigo, muitas tribos afegãs têm de conduzir grandes rebanhos de ovelhas e bodes em deslocamentos de centenas de quilômetros, até as pastagens de verão nos planaltos centrais do país. Muito importante também nessa economia são as colheitas de plantas perenes – castanhas, pistaches e amoras – que sobrevivem porque são plantas de raízes longas, que alcançam águas muito profundas e resistem aos longos períodos de estiagem; nos anos mais secos, são o único alívio existente para a fome.

Nessas duas décadas de guerra, armas modernas, de poder de fogo devastador, dizimaram os rebanhos, destruíram as redes de irrigação e todas as hortas. Enquanto os soviéticos limitavam-se aos tiros, os Talibãs, com faro animal para acertar a jugular da vida social e econômica de sua gente, violaram todas as regras tradicionais da guerra afegã e dedicaram-se a destruir as hortas, plantações e rebanhos domésticos que havia na vasta planície Shamali ao norte de Cabul.

Todos esses fios de destruição se autoteceram até constituir um nó górdio de sofrimento humano, para o qual o ópio aparece como única saída. Como a espada legendária de Alexandre, o ópio serviu de via direta para fora de um quadro desesperadoramente complexo. Sem ajuda para recompor os rebanhos, replantar os campos ou refazer as hortas, os agricultores afegãos – os que sobreviveram e mais 3 milhões de refugiados que voltaram – encontraram um meio de sustento no ópio, que historicamente sempre foi parte muito pequena, mas sempre presente, da agricultura afegã.

O cultivo do ópio exige nove vezes mais mão de obra por hectare que o trigo; por isso, foi fonte imediata de emprego temporário para mais de um milhão de afegãos – metade dos quais, pelo menos, estavam desempregados naquele momento. Nessa terra devastada e nessa economia arruinada, só os mercadores do ópio poderiam acumular capital rapidamente; com esse capital acumulado, puderam oferecer aos plantadores de papoula financiamentos equivalentes a mais da metade de seus lucros anuais, um crédito crucialmente importante para a sobrevivência de muitos aldeões pobres.

Em marcado contraste com as dificuldades que impunha às demais plantações, o clima árido do país mostrou-se ideal para o cultivo da papoula. Em média cada hectare plantado com papoulas no Afeganistão rende cinco vezes mais que no principal concorrente, Burma. Mais importante que tudo, naquele ecossistema árido, sujeito a secas periódicas, o ópio consome menos que a metade da água necessária para outros cultivos, como o trigo.

Depois de tomar o poder em 1996, o regime dos Talibãs estimulou a expansão do plantio de papoulas em todo o país, dobrando a produção para 4.600 toneladas, então equivalente a 75% da heroína que o mundo consumia. Evidenciando o apoio que dava à produção de drogas, o regime Talibã passou a recolher imposto de 20% sobre a colheita anual de papoula, o que lhe rendeu cerca de 100 milhões de dólares de arrecadação.

Em retrospecto, a principal inovação do regime foi sem dúvida a introdução do refino de heroína em larga escala, nos arredores da cidade de Jalalabad. Ali foram postos a funcionar centenas de laboratórios de tratamento de matéria prima, que pagavam apenas um modesto imposto de produção de 70 dólares por quilo de pó de heroína. Segundo pesquisadores da ONU, os Talibãs também passaram a controlar os mercados regionais de ópio nas províncias de Helmand e Nangarhar, protegendo 240 grandes comerciantes ali instalados.

Durante os anos 90s, a crescente colheita de ópio do Afeganistão alimentou uma rede internacional de contrabando que ligou a Ásia Central, a Rússia e a Europa, num vasto mercado ilícito de armas, drogas e lavagem de dinheiro. Também ajudou a eclosão de uma guerrilha étnica numa faixa de terra de quase 6.000 km que vai do Uzbequistão na Ásia Central, à Bósnia, nos Bálcãs.

Mas em julho de 2000, o líder Mullah Omar dos Talibãs repentinamente determinou a proibição total do cultivo do ópio, em desesperada tentativa de conquistar reconhecimento internacional. Também repentinamente, todo o regime Talibã passou a fazer a mais violenta repressão, do tipo da que fez sua fama, a ponto de reduzir a colheita de papoula em 94%, para apenas 185 toneladas métricas.

Mas àquela altura o Afeganistão já dependia da produção de papoulas e ópio para praticamente toda sua arrecadação, impostos de exportação e empregos. O ato do regime Talibã foi, de fato, ato de suicídio econômico, que levou à beira do colapso total uma sociedade já enfraquecida. Essa foi a arma oculta com que os EUA contavam quando lançaram a campanha militar contra os Talibã em outubro de 2001. Sem o ópio, o regime já não passava de uma casca vazia e praticamente implodiu sob a explosão das primeiras bombas dos EUA.

A volta da CIA, do ópio e da guerrilha

Para derrotar os Talibãs imediatamente depois do 11/9, a CIA mobilizou com sucesso os senhores-da-guerra ativos no comércio da heroína, para tomar cidades e vilas em todo o Afeganistão leste. Em outras palavras, a CIA e seus aliados locais criaram condições ideais para reverter a proibição do ópio e dar nova vida à economia do tráfico. Poucas semanas depois do colapso dos Talibãs, relatórios oficiais já falavam de um renascimento dos campos de papoula nos territórios da heroína em Helmand e Nangarhar. Em conferência em Tóquio com investidores internacionais em janeiro e 2002, Hamid Karzai, então novo primeiro-ministro lá implantado pelo governo Bush, relançou uma lei que, pelo menos pro-forma, proibia o cultivo da papoula. Mas não tinha meios para fazer cumprir a lei, contra o poder ressurgente dos senhores-da-guerra locais.

Depois de ter investido quase 3 bilhões de dólares para destruir o Afeganistão durante a Guerra Fria, Washington e seus aliados, agora, mostram-se muito contidos na oferta de fundos para a reconstrução. Naquele encontro de investidores em 2002 em Tóquio, os investidores internacionais prometeram apenas 4 bilhões dos 10 bilhões que se estimavam necessários para reconstruir a economia afegã nos cinco anos seguintes. Além disso, o gasto total dos EUA, de 22 bilhões para o Afeganistão entre 2003 e 2007, foi destinado a operações militares, com apenas 237 milhões de dólares destinados à agricultura. (Como no Iraque, parcelas consideráveis do que se supôs que fossem fundos para reconstrução acabaram no cofre de especialistas ocidentais, empresas de construção e seus sócios e parceiros locais.)

Nessas circunstâncias, ninguém deveria surpreender-se quando, durante o quinto ano da ocupação norte-americana, a colheita afegã de papoula subiu à estratosfera de 3.400 toneladas. Nos cinco anos seguintes, investidores internacionais pagariam 8 bilhões para reconstruir o Afeganistão, e o ópio injetaria quase o dobro disso, 16 bilhões, diretamente na economia rural sem deduções para pagar especialistas ocidentais e burocratas de Cabul.

Enquanto a produção de ópio crescia sem parar, o governo Bush subestimava o problema, “terceirizava” para a Grã-Bretanha o controle dos narcóticos e para os alemães o treinamento dos policiais. Como comando geral das operações dos aliados, o departamento de Defesa de Donald Rumsfeld via o ópio como detalhe que atrapalhava os projetos de derrotar os Talibãs (e, claro, de invadir o Iraque). Descartando a questão no final de 2004, o presidente Bush disse que “não desperdiçaria sequer uma vida norte-americana a mais, num narco-Estado”. Enquanto isso, nas operações de contraguerrilha, o exército dos EUA trabalhava em íntima relação com os senhores-da-guerra locais que, não por acaso, eram também os principais senhores-da-droga.
Depois de cinco anos de ocupação norte-americana, a produção de drogas do Afeganistão alcançava proporções sem precedentes. Em agosto de 2007, a ONU informava que o país alcançara colheita recorde de papoulas, plantadas em quase 500 mil acres, área superior à soma de todos os campos de coca na América Latina. De modestas 185 toneladas no início da intervenção dos EUA em 2001, o Afeganistão produzia então 8.200 toneladas de ópio, que geravam impressionantes 53% do PIB e 93% da produção global de heroína.

Assim aconteceu de o Afeganistão tornar-se o primeiro “narco-Estado” mundial. Se o tráfico de cocaína, que equivalia a apenas 3% do PIB da Colômbia, bastara para gerar infinita violência e cartéis poderosos capazes de corromper todo o governo, não é preciso muita imaginação para estimar as consequências da dependência do ópio, no Afeganistão, onde o ópio responde por mais de 50% de toda a economia nacional.

Em conferência sobre drogas em Cabul, esse mês, o chefe do Serviço Nacional de Narcóticos da Rússia estimou em 65 bilhões de dólares o ópio que está sendo colhido no Afeganistão. Apenas 500 milhões desse total chegarão aos plantadores afegãos; 300 milhões irão para os guerrilheiros Talibãs; os restantes 64 bilhões de dólares irão para “a máfia da droga”, que, assim, terá muitos fundos com os quais corromper o governo Karzai, em nação cujo PIB é de apenas 10 bilhões de dólares.

De fato, a influência do ópio é tão perversa que muitos funcionários afegãos, de líderes de vilas ao chefe de Polícia em Cabul, o ministro da Defesa e até o irmão do presidente já foram maculados pelo tráfico. Essa corrupção é tão contagiosa que, segundo estimativas da ONU, os afegãos são obrigados a consumir espantosos 2,5 bilhões de dólares em propinas. Não surpreendentemente, as repetidas tentativas do governo para erradicar o ópio são sempre minadas pelo que a ONU chama de “negócios corruptos entre proprietários dos campos, anciãos das vilas e equipes de erradicação das plantações.”

Não só os impostos do ópio financiaram a expansão das forças da guerrilha; os Talibãs também tiveram papel de destaque na proteção aos plantadores e aos mercadores de heroína; dado que todos dependem das colheitas e da circulação do produto, os Talibãs alcançaram controle absoluto sobre o coração da economia afegã. Em janeiro de 2009, funcionários da ONU e “agentes da inteligência” não identificados estimavam que o tráfico de drogas garante à guerrilha Talibã cerca de 400 milhões de dólares anuais. “Claro”, comentou o secretário de Defesa Robert Gates, “que temos de caçar os laboratórios de refino e os senhores-da-droga que dão apoio aos Talibãs e outros insurgentes.”

Em meados de 2009, a embaixada dos EUA criou uma operação conjunta de várias agências, chamada “Célula Financeira da Ameaça Afegã” [ing. Afghan Threat Finance Cell], para cortar o suprimento de dinheiro da droga para os Talibãs mediante controles financeiros. Imediatamente depois, um funcionário dos EUA disse que seu trabalho era como “escrever na água”. Em agosto de 2009, um frustrado governo Obama já ordenava aos militares “matar ou capturar” 50 senhores-da-droga ligados aos Talibãs, cujos nomes estavam numa lista secreta rubricada “matar”.

Desde a colheita recorde de 2007, a produção de ópio, de fato, declinou ligeiramente – chegou a 6.900 toneladas ano passado (ainda acima de 90% de todo o ópio que o mundo consome). Embora os analistas da ONU atribuam a redução aos esforços de erradicação, a causa mais provável é a superprodução de heroína que aconteceu depois do boom do ópio afegão, e que deprimiu o preço da papoula em 34%. De fato, mesmo essa menor oferta de ópio afegão está muito acima da demanda mundial – que a ONU estima em cerca de 5.000 toneladas por ano.

Relatórios preliminares sobre a colheita de ópio afegão em 2010 – colheita que será iniciada no próximo mês – indicam que o problema está longe de superado. Funcionários norte-americanos que supervisionam a área do ópio na província de Helmand vêem sinais de colheita maior que a anunciada. Nem os especialistas em drogas nos EUA que haviam predito queda continuada na produção mostram qualquer otimismo para o longo prazo. É possível que o preço do ópio caia durante alguns anos, mas os preços do trigo e de outros produtos sempre cairão mais e mais depressa; e a papoula continuará a ser, de longe, a semeadura mais rendosa para os plantadores afegãos mais pobres.

Fim do ciclo de drogas e morte

Com suas forças agora plantadas no solo dos dentes de dragão do Afeganistão, Washington está presa no que parece ser um ciclo sem fim de drogas e morte. A cada primavera nessas montanhas escarpadas, a neve derrete, os bulbos de papoula eclodem e umas novas colheitas de combatentes Talibãs ganham os campos, muitos dos quais para morrer sob o fogo dos EUA. E no ano seguinte a neve outra vez derrete, novos bulbos eclodem nos pés de papoula, e novas colheitas de combatentes Talibãs adolescentes pegam em armas contra os EUA, e o sangue volta a jorrar. Esse ciclo repete-se há dez anos e, a menos que alguma coisa mude muito, o ciclo continuará indefinidamente.

Há alguma alternativa? Ainda que o custo para reconstruir a economia rural afegã – com seus rebanhos, hortas e colheita de grãos e hortaliças para comer – chegasse a 30 bilhões, ou mesmo que alcançasse 90 bilhões, o dinheiro existe e está à mão. Segundo estimativas conservadoras, o “avanço” de 30 mil soldados que o presidente Obama mandou para lá custa, só o “avanço”, 30 bilhões de dólares ao ano. Bastaria trazer os soldados de volta para casa e haveria fundos para reconstruir a vida rural no Afeganistão, oferecendo aos agricultores algum meio para plantar e alimentar as famílias, sem pensar em unir-se ao exército dos Talibãs.

A apenas alguns passos de ter de fazer outra retirada precipitada como em 1991, Washington continua sem qualquer alternativa realista senão a cara e demorada reconstrução da agricultura do Afeganistão. Por trás da onda de um exército aliado que já chega hoje a 120 mil soldados, o ópio fez crescer os Talibãs até convertê-los em governo-sombra e em efetivo exército de guerrilheiros.

A ideia de que a presença militar expandida do ocidente estaria fazendo aquela força recuar e estaria pacificando a polícia afegã, de homens analfabetos e dependente de drogas; ou que reconstituiria o exército é hoje, como sempre foi, pura fantasia. Soluções imediatistas, como pagar os plantadores de papoula para que não plantem, ideia de britânicos e norte-americanos já tentaram, têm alta probabilidade de resultar, como tiro pela culatra, em aumento do cultivo de ópio. Rápida erradicação de uma cultura de drogas, sem emprego alternativo, ideia que a empresa DynCorp tentou com fracasso estrondoso, sob um contrato de 150 milhões de dólares em 2005, resultaria apenas em mais miséria para o Afeganistão, represaria a revolta em massa e desestabilizaria ainda mais o governo de Cabul.

A escolha, portanto, está aí e é bem clara: podemos continuar a adubar com mais sangue aquele solo mortal, em mais guerra brutal e sem qualquer resultado proveitoso – nem para os EUA nem para o Afeganistão. Ou podemos começar a retirar de lá as forças dos EUA, ao mesmo tempo em que podemos ajudar a renovar aquela terra árida e antiga, a recriar suas hortas, reconstituir seus rebanhos e renovar os sistemas de irrigação destruídos em décadas de guerra.

Nesse ponto, nossa única escolha realista é esse tipo de desenvolvimento rural sério – quer dizer, reconstruir a área rural do Afeganistão mediante vários pequenos projetos, até que a colheita de alimentos torne-se alternativa economicamente viável ao plantio e colheita e comercialização da papoula e do ópio. Dito de forma mais simples, tão simples que até Washington entenderá, só se conseguirá pacificar um narco-Estado quando ele já não for narco-Estado.


Notas:
[
1] Alfred W. McCoy é professor na cátedra J.R.W. Smail, de História, da University of Wisconsin-Madison. É autor de The Politics of Heroin: CIA Complicity in the Global Drug Trade, em que disseca a conjuntura das drogas ilegais e de operações clandestinas ao longo de 50 anos. Seu livro mais recente, Policing America’s Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of the Surveillance State, examina a influência de operações de guerrilha por todo o mundo na expansão de medidas de segurança internas nos EUA.
[2] Há exatamente a mesma referência a Hekmatyar em CHOMSKY, Noam. 23/3/2010. “The evil scourge of terrorism”: “Reality, construction, remedy”. Conferência na International Erich Fromm Society, Stuttgart, Germany (em inglês em http://chomsky.info/talks/20100323.htm ).

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.tomdispatch.com/post/175225/tomgram:_alfred_mccoy,_afghanistan_as_a_drug_war
__
e
http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/LD01Df02

Tradução: Caia Fittipaldi

Do Blog vi o mundo