sábado, 1 de agosto de 2009

Caleiro: Mídia ignorou Dilma em Washington

Por Maurício Caleiro - em 28/7/2009 - no Observatório da Imprensa

Imagine o seguinte acontecimento: dois ministros de Estado de um grande país latino-americano – um deles candidato a presidente nas próximas eleições – viajam a Washington para um fórum econômico de cúpula que reúne os assessores para Segurança Nacional dos EUA, Jim Jones, e o para Assuntos Econômicos Internacionais, Michael Froman, além de 20 representantes de algumas das maiores empresas e grupos financeiros dos dois países, como Coca-Cola, Motorola, Cargill e Citibank. O presidente norte-americano Barack Obama decide prestigiar o evento, dele tomando parte por cerca de meia hora.

À saída, não apenas o ministro-candidato anuncia o "forte apoio" de Obama à intensificação do comércio entre os dois países e ao combate mútuo ao protecionismo, mas o próprio presidente dos Estados Unidos, que a princípio não deveria se pronunciar (na verdade, sequer costuma participar de reuniões desse tipo), faz questão de dar uma declaração, na qual enfatiza a importância da relação bilateral entre os dois países.

Desnecessário dizer que, em linguagem diplomática, o "gesto espontâneo" de Obama tem significado claro: sinaliza a primazia do tal país latino-americano como parceiro regional. Como a confirmar tal significado, ato contínuo o influente Council on Foreign Relations divulga nota em que sugere olhar o tal país latino-americano "como intermediário em questões de segurança regional", pois ele "está aprendendo a equilibrar diplomacia comercial e política de modo sem precedentes".

No dia seguinte, obviamente, o assunto domina as manchetes dos grandes jornais e é explorado à exaustão pelo noticiário televisivo do país latino-americano. Nas edições imediatamente seguintes, economistas, cientistas políticos e experts em profusão debatem as implicações, imediatas e a médio prazo, do encontro de cúpula em Washington, avalizado por ninguém menos do que o presidente da (ainda) maior potência mundial.

A imprensa descompromissada
Acontece que o país latino-americano em questão é o Brasil, um lugar em que a imprensa, em sua maioria, tem simplesmente abdicado de seu papel de informar e questionar, preferindo agir como partido político. Para piorar, liderou a missão brasileira em Washington a ministra-candidata Dilma Rousseff, contra quem até fichas policiais falsas foram utilizadas na tentativa de infamá-la. Portanto, ao invés de manchetes, esquálidos parágrafos; no lugar de debates, um epifânico silêncio. A se basear na "grande imprensa" nativa, é quase como se os desdobramentos surpreendentemente positivos do Fórum de CEOs Brasil-EUA da segunda-feira, 21 de julho, não tivessem ocorrido.

Mas, além da imprensa norte-americana – que publicou dezenas de artigos e análises sobre o encontro –, boa parte da mídia internacional demonstrou-se muito mais atenta ao caso, fornecendo até detalhes do evento e estendendo a cobertura aos encontros de Dilma com o secretário do Tesouro norte-americano, Tim Geithner, com o assessor econômico de Obama, Larry Summers, e com o secretário de Comércio, Gary Locke, este ocorrido no encontro entre as Câmaras de Comércio dos dois países, pela ministra coordenado.

A imprensa latino-americana, em especial, revelou-se muito mais interesse do que os jornais brasileiros. O DiarioCritico, do México, publica uma alentada reportagem, com farta informação e direito a foto da ministra [ http://www.diariocritico.com/mexico/2009/Julio/noticias/163483/brasilenos-discuten-en-la-casa-blanca-relaciones-comerciales.html ]; o Buenos Aires Herald chega a ser mais específico, assinalando que "os CEOs recomendaram que os EUA eliminassem suas tarifas para importação do etanol, mudança que beneficiaria o Brasil, mas que enfrenta grande oposição dos plantadores de milho norte-americanos" [ http://www.buenosairesherald.com/BreakingNews/View/7128 ]. De acordo com a agência de notícias Ansa Latina, um porta-voz norte-americano teria declarado que "Washington e Brasilia nunca tiveram uma relação tão `forte´ e que isso se deve à afinidade de opiniões entre os mandatários" [ http://www.ansa.it/ansalatina/notizie/rubriche/amlat/20090722154134918823.htm ].

A declaração de Dilma Rousseff de que ambos países devem trabalhar com "ênfase especial" em áreas relacionadas a biocombustíveis e cooperação científica e tecnológica foi destacada em matéria do site Mendonza On Line, que também ouviu o secretário de Comércio Locke
[ http://www.mdzol.com/mdz/nota/145817/ ]. Ele, por sua vez, ressaltou a "sociedade" entre os dos países, em particular para incentivar investimentos privados no Haiti e em várias nações africanas. Até a imprensa de países que não estão sequer na esfera geopolítica do tema, como França e Alemanha, deram mais atenção à cúpula do que a imprensa brasileira. O site informativo francês Autorecrute salientou na cobertura que "O comércio bilateral entre Estados Unidos e Brasil aumentou para 63,4 bilhões de dólares em2008" [ http://www.autorecrute.com/actualite_automobile/automobile-barack-obama-souhaite-renforcer-les-liens-commerciaux-avec-le-bresil~00748.html ]. Pelo jeito, atingimos um ponto em que, por vezes, devido a interesses essencialmente políticos, a mídia mundial interessa-se mais por questões brasileiras do que a própria mídia nativa...

Desinteresse ostensivo
No Brasil, o desinteresse foi ostensivo, Nos jornalões, nenhuma manchete de capa. Fotos? A única que este observador deve a oportunidade de ver – autêntica, e não referente ao encontro anterior entre Obama e Dilma, em que a ministra era parte da entourage de Lula, e que foi utilizada para ilustrar diversas matérias internacionais – estava, um tanto surpreendentemente, no portal Yahoo. O Estado de S.Paulo e os menos prestigiados Diário do Comércio e Correio do Povo ainda produziram uma matéria de uma lauda cada um, escondidas longe das manchetes.

A cobertura mais ardilosa foi, uma vez mais, da Folha de S.Paulo, que se valeu de um expediente editorial que se tem tornado recorrente no jornal quando quer "esconder" uma notícia: utilizar títulos que simplesmente não permitem ao leitor correlacioná-los ao tema que tratam.


Desta vez, a titulagem não dá a mínima margem para que o leitor adivinhe que a matéria é sobre o evento de comércio binacional: "Petrobras pode assumir todos os blocos do pré-sal, diz Dilma". O texto do usualmente bem informado e eclético Sérgio Dávila é um primor de dissimulação e contradições. Vejamos:
"À tarde, enquanto o grupo se reunia na sala do assessor de Segurança Nacional obamista, James Jones, o presidente Barack Obama apareceu no local.

Segundo relatos, ele foi simpático, mas protocolar. Perguntou aos empresários as principais dificuldades nas relações bilaterais. Disse que o país era parceiro estratégico não só em questões bilaterais mas também em regionais e globais e ressaltou a intenção de aprofundar a colaboração em biocombustíveis, na ajuda à África e ao Haiti e no combate à mudança climática."

Relevemos que "assessor de Segurança Nacional obamista" e "assessor de Segurança Nacional dos EUA" – como a imprensa internacional se refere ao ocupante do cargo – sugerem coisas e posições hierárquicas consideravelmente diferentes, e que a duvidosa primeira denominação não permite, a priori, afirmar que Jones "ocupa uma das posições mais poderosas no país", como atestou, quando da nomeação de Jones, a Time Magazine [ http://www.time.com/time/politics/article/0,8599,1862911,00.html ]. A denominação oficial do cargo é National Security Adviser, e não inclui, é claro, nenhuma referência a Obama. Parece-me lícito deduzir que seu ocupante, embora naturalmente nomeado pelo presidente, serve contratualmente ao país. O que vocês acham?

Boa vontade analítica
Como mais uma demonstração de boa vontade analítica, participemos também, como faz o colunista, da brincadeira de fazer de conta que Obama "apareceu" no local. Afinal, é divertido supor que o presidente dos EUA gosta de enlouquecer sua entourage e o Serviço Secreto, improvisando seus atos a todo momento.

Agora, a sério, vamos à pergunta que não quer calar: Obama teria sido "simpático, mas protocolar"? A descrição da performance do presidente norte-americano no encontro, perpetuada no próprio texto de Dávila, contradiz a afirmação que o jornalista faz na abertura do parágrafo.


Senão, vejamos: um dos homens mais poderosos do mundo adentra, alegadamente por vontade própria, uma reunião de cúpula, enche os empresários de perguntas, ressalta a intenção de aprofundar colaboração com o Brasil em nada menos do que quatro áreas estratégicas e faz ainda questão de afirmar (em público, o que a matéria omite) que o país é "parceiro estratégico não só em questões bilaterais mas também em regionais e globais" – e tudo isso é ser protocolar? O que o colunista esperava, que Obama sapecasse uns beijos na Dilma?

A Folha oferece, ainda, uma sub-retranca que, uma vez mais, repete o truque da titulagem dissimulatória, dessa vez não permitindo sequer que se deduzisse qualquer interação com entes diplomáticos brasileiros: "Empresário dos EUA condenam tarifa ao etanol".

Mesmo na blogosfera a cobertura foi decepcionante, a ponto de Luís Nassif transformar em post o comentário do internauta Clovis Campos protestando: "Nenhuma informação em lugar nenhum" [ http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/07/23/dilma-com-obama/ ]. Nos 42 comentários que se seguem ao post, nenhum link para blog sobre o tema, com a exceção óbvia dos para-oficiais (intitulados "os amigos do presidente Lula" e, falta de imaginação, "os amigos da presidente Dilma"). No restante da blogosfera, há reproduções de despachos de agências e das matérias citadas acima, mas se encontram – com o perdão do trocadilho – virtualmente ausentes textos críticos. O Blog Por Simas ao menos conseguiu difundir a lista das empresas brasileiras que tomaram parte do encontro, ausente das reportagens: "Gerdau, Vale, Embraer, Coteminas, Odebrecht, Votorantim Participações, Sucocítrico Cutrale, Camargo Côrrea, Stefanini IT Solutions e Banco Safra" [ http://porsimas.blogspot.com/2009/07/dilma-vai-ver-obama-agora-serra-e-fhc.html ].

Ciclo de omissões

É lícito lembrar, ainda, que esse ciclo de omissões ocorreu no meio de uma semana particularmente pobre de grandes assuntos, na qual, estivesse o jornalismo brasileiro funcionando em condições normais de temperatura e pressão, tais fatos diplomático-comerciais teriam tudo para ser manchete dos grandes jornais, com destaque para a tradicional fotografia dos protagonistas se cumprimentando – afinal, trata-se, no mínimo, de um momento histórico para o comércio entre os dois países.

Continua...

Leia o artigo completo aqui (blog vi o mundo)

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