Sugado do blog O Carcará
 Por: Fernando Vives/Carta Capital
Qualquer pessoa que acompanhou com certo afinco o mundo do futebol nos últimos 40 anos guarda na memória alguma lembrança acinzentada de João Havelange. Acinzentada por seu olhar de um azul irremediavelmente monótono, ou por sua voz cimentada a soltar as palavras como se as cordas vocais fossem uma linha de produção de sílabas robotizadas.João  Havelange transformou o principal esporte da humanidade, mas não  necessariamente para melhor. E o homem que mudou o futebol começa a ver  sua reputação ruir aos 95 anos de idade. 
Neste  domingo 4, o belgo-brasileiro que dirigiu a Fifa por 24 anos e desde  1963 era integrante do Comitê Olímpico Internacional (COI) renunciou ao  seu posto neste último. Caso não largasse o osso, a investigação interna  pela qual vinha sendo devassado certamente culminaria na recomendação  para que fosse expulso dos quadros da entidade. 
Havelange  é acusado de receber propina da empresa de marketing suíça que  negociava os direitos de grandes transmissões esportivas até 2001, copa  do mundo de futebol inclusa, quando faliu. Segundo denúncia do  jornalista britânico Andrew Jennings, da BBC, Havelange recebeu até 6  milhões de libras para liberar os direitos à ISL. A denúncia dos  britânicos mostra que um tribunal suíço confirmou a propina e obrigou  Havelange a devolver o dinheiro. E é importante frisar aqui: Ricardo  Teixeira, manda-chuva do futebol brasileiro e do Comitê Organizador  Local (COL), do Mundial 2014, também é acusado de receber a propina da  ISL. 
A acusação e a consequente queda de  Havelange mancha, enfim, uma polêmica carreira que definiu os rumos do  futebol mundial e inspirou o COI a fazer o mesmo com as modalidades  olímpicas. Competiu como nadador nas Olimpíadas de 1936, na Berlim de  Hitler, e como jogador de polo aquático nos Jogos de Helsinque, em 1952.  Na sequência, a partir de 1956, o belgo-brasileiro tornou-se presidente  da Confederação Brasileiro do Desporto (CBD), entidade que respondia  por todos as modalidades olímpicas no Brasil. 
Mas  o golpe de mestre do dirigente veio em 1974, nas eleições para a  presidência da Fifa, às vésperas da Copa da Alemanha Ocidental.  Havelange seria o desafiante de Stanley Rous, até então lendário  presidente da entidade. Rous era um ferrenho defensor do esporte, mas  tinha o defeito típico dos europeus, especialmente os de antigamente:  eurocêntrico, ligava pouco para o futebol praticado nos países  periféricos, nem se interessava muito em com eles dialogar. Havelange  percebeu a deixa e convenceu rapidamente membros das federações menores,  como as africanas, e conseguiu golpear Rous. 
Se  Havelange tem um ponto positivo em sua trajetória, esta é a de levar o  futebol para os países pobres. Mas sua mentalidade de que o esporte é,  acima de tudo, negócio também levou a Fifa a fazer amizades com  ditadores sanguinolentos, que usavam o futebol para a promoção de seus  respectivos regimes. A modalidade poderia servir a quem quisesse, desde  que os negócios fossem proveitosos para a Fifa. 
Foi  na gestão dele que o esporte bretão se transformou em uma mina de  dinheiro. O futebol como um produto para o lucro fez da Fifa uma  entidade internacional desorganizada, nas mãos de poucos e nebulosa, que  não presta contas a praticamente ninguém. Tão nebulosa que permitiu ao  seu hoje ex-presidente demorar mais de uma década para ser punido por um  crime que, segundo a imprensa do Reino Unido, cometeu. Aos 95 anos de  idade, João Havelange tem, enfim, a mancha que faltava em seu currículo.     
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