Um fato interessante, e pouco observado, no Brasil dos últimos tempos é a movimentação interna na classe A, sem dúvida a categoria mais confusa, e cheia de nuances, dentro da barafunda que é o nosso sistema de estratificação social. Segundo o IBGE, basta afirmar ter renda superior a 5 mil reais mensais por pessoa para uma família se considerar no topo da escala. E eis aí, talvez, o maior fenômeno de inclusão deste País: para fins estatísticos, o dono de uma empreiteira figura na tabela ao lado de seus engenheiros, como se guardassem a mais tênue semelhança de proventos ou de hábitos.
O orgulho que se segue ao ingresso na classe A acompanha a necessidade de apropriar-se de valores e sentimentos dos novos colegas de riqueza, que Mino Carta define muito apropriadamente como os “herdeiros da Casa Grande”. É justamente essa heterogênea fatia da população, verdadeira pirâmide dentro da pirâmide, a que tem acesso garantido a alguns serviços que consideram “básicos” desde o fim da escravidão: empregadas domésticas, babás, passeadores de cachorro, manobristas e equivalentes.
Daí as pressões crescentes contra cada aumento do salário-mínimo e pedido de ganho real nas datas-base de categorias trabalhistas que acompanham há décadas o desnível entre lucratividade e produtividade, com larga vantagem para a primeira. É para agradá-los que a mídia adota o discurso de que a “inflação dos serviços” traz de volta a ameaça de descontrole de preços. O encarecimento de certas atividades é um fenômeno inexorável, na verdade um reparo histórico.
Em qualquer país desenvolvido, certos serviços domésticos são prerrogativas de uma elite pequena. Não há tanta gente assim, lá fora, capaz de remunerar apropriadamente, por exemplo, o sacrifício de uma mãe que abre mão de cuidar dos próprios filhos, num sábado à tarde, para vigiar os da patroa, que quer mais tranquilidade durante uma festa de aniversário. Até porque não há tantas mulheres dispostas a vender seu tempo dessa maneira.
Há não muito tempo, uma colunista da Folha de S. Paulo sugeria aos indignados com a corrupção acrescentassem à causa a elevada carga tributária. Afinal, alegava a porta-voz da turma do Cansei (provavelmente os responsáveis pela marcha de 200 gatos pingados que “invadiram” a Avenida Paulista no último feriado e ganharam preciosos minutos de cobertura na Globo), nossas grávidas se vêem obrigadas a viajar até Miami para comprar, por preços mais justos, o enxoval de seus futuros rebentos…
Até os veículos mais insuspeitos volta e meia recaem no discurso das facilidades, tão caro à elite brasileira. O Valor Econômico, hoje um dos melhores jornais do País, trouxe no último dia 25 uma reportagem intitulada “Armadilhas da febre de Miami”, com dicas preciosas aos interessados em se aproveitar de uma nação em crise.
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Acreditem ou não, as tais armadilhas do título são as leis tributárias dos EUA. E a genial recomendação é que os brasileiros endinheirados e interessados em arrematar uma “pechincha imobiliária” na Flórida abram empresas em paraísos fiscais e façam por meio delas as aquisições. Assim, prossegue a reportagem, evitam-se os impostos de transmissão de propriedade que, em caso de morte do comprador, podem chegar a 47%.
Quem acha que o Fisco brasileiro “persegue” os ricos precisa saber que, em países com mais longa tradição republicana e democrática, a tributação de propriedades é utilizada, assim como os impostos sobre heranças e grandes fortunas, para evitar a acumulação excessiva de riqueza nas mãos de umas poucas famílias, como ocorre por estas bandas.
Enquanto isso, permitimos a veiculação de propagandas de estratagemas que permitem aos ricos escapar ao pagamento de impostos tanto no Brasil quanto no exterior. Há quem chame esse tipo de estratagema de engenharia tributária. Mais um eufemismo para o jeitinho brasileiro, no pior dos sentidos.
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