domingo, 6 de junho de 2010

COPA DO MUNDO, POLÍTICA E HISTÓRIA

Do Blog RastreadoreS de ImpurezaS


Em julho de 2010, a África realiza pela primeira vez uma Copa do Mundo de Futebol, um sinal de como o continente voltou a ganhar importância internacional após o fim da Guerra Fria. Em campo, porém, estão bem mais que atletas e juízes. Há igualmente rivalidades políticas e econômicas que não escapam aos analistas mais atentos. O general alemão Karl von Clausewitz em frase famosa disse que “A guerra nada mais é que a continuação da política por outros meios." – com um pouco de exagero, poderíamos dizer que os esportes de modo geral também são!
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Futebol e Ditadura Civil-Militar
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Em 1970, ano da Copa do Mundo do México, o Brasil era governado pelo general Emílio Médici, num dos períodos mais autoritários e repressivos de nossa história. Enquanto a repressão acontecia nos porões da Ditadura Civil-Militar (iniciada em 1964) e parte das esquerdas partia para a luta armada, o Brasil, por outro lado, vivia uma fase de grande crescimento econômico, o chamado “Milagre”, possibilitado em boa parte pelas vantagens dadas ao capital estrangeiro.
O “Milagre Econômico” era usado pelos militares para legitimar a Diadura e angariar apoio da população. O futebol também não escapou a essa estratégia dos militares, sobretudo porque a seleção brasileira de 1970, liderada por Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, entre outros, era apontada como uma das favoritas para conquistar a Copa do Mundo do México.
A intervenção da Ditadura na seleção já teria acontecido mesmo antes da Copa, quando da demissão do técnico João Saldanha. Este, que organizara e classificara o time em uma dura eliminatória para a Copa, era comunista e famoso por sua coragem e ironia. Na versão mais tradicional, afirma-se que Saldanha teria sido demitido porque se recusou a convocar o atacante Dario do atlético, conforme desejava Médici. Ficou famosa a frase de Saldanha respondendo ao presidente-ditador: “o presidente escala o ministério dele e eu escalo o meu time".
Na verdade, a demissão não aconteceu por esse motivo. Historiadores apontam atualmente que havia um temor dos militares que Saldanha, muito independente, falasse publicamente no exterior dos crimes que a Ditadura brasileira estava fazendo, prendendo e eliminado opositores (muitos dos quais amigos do treinador). Para o lugar de Saldanha foi trazido Jorge Zagallo, que não titubeou em convocar Dário...
A preparação técnica da seleção seguiu o estilo da caserna: atletas com cabelos curtos, poucas declarações à imprensa, intensos treinamentos físicos, etc. O governo explorou a vitória da seleção de todas as formas, ratificando o ufanismo vivido pelo Brasil e expresso em slogans como "Ninguém segura este país" ou "Brasil; ame-o ou deixe-o". Tentava-se passar a ideia do futebol como um fator que promovia a “unidade nacional”. O triunfo da seleção era vendido como um triunfo possibilitado pela Ditadura.
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A Copa de 1978 e a Ditadura
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Argentina Em 1976, foi instaurada uma ditadura militar na Argentina, que duraria até 1983. Foi um período extremamente autoritário, que deixou mais de 30 mil mortos. Inúmeros foram os casos de tortura e execução dos inimigos dos militares.
Em 1978, caberia à Argentina promover a Copa do Mundo de Futebol. Inúmeras organizações de direitos humanos protestaram contra o evento, denunciando os arbítrios e brutalidades do regime argentino – o próprio capitão da seleção holandesa de 1974 (a famosa Laranja Mecânica) e um dos maiores craques à época do futebol mundial, Cruyff, teria se recusado a disputar a competição em virtude do que estava se passando. A FIFA, então presidida pelo brasileiro João Havelange, manteve a Copa nas terras argentinas. Havelange havia sido presidente da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos, atual CBF) e mantivera cordiais relações com a Ditadura brasileira. Nos bastidores, comenta-se que a Ditadura argentina procurou os ditadores brasileiros para pressionar a FIFA a manter o evento esportivo.
De modo parecido ao que aconteceu no Brasil durante o governo Médici, a ditadura argentina aproveitou a Copa e o fato desta de ter sido vencida pelos “donos da casa” para fazer propaganda e ganhar popularidade. Os gritos da conquista emudeceram aqueles que denunciavam os crimes do regime. Inclusive, vários dos militantes de esquerda “desaparecidos” eram amigos de atletas da seleção argentina campeã, que temiam represálias caso não cumprissem o “script” traçado pela ditadura portenha.
Há polêmica mesmo que o mundial tenha sido manipulado para favorecer os argentinos, como no famoso jogo em que a Argentina goleou o Peru por 6 x 0, ganhando o direito de ir à final da Copa pelo saldo de gols e tirando o Brasil da disputa pelo título. Bom que se diga que até hoje não foi provado nada e que a seleção do Peru à época era muito fraca, tanto que no jogo contra o Brasil (vencido por 3 x 0), a seleção verde-amarela teve inúmeras chances de golear por placar maior ainda.
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A Guerra das Malvinas e Maradona
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Em 1982, diante de grave crise econômica e do aumento das oposições, o governo militar argentino, então sob o comando do general Galtieri, lançou-se numa aventura: conquistar a ilhas Malvinas, controladas pelos ingleses há mais de um século, embora sua fosse reivindicada pelos argentinos. O propósito da Ditadura Argentina era recuperar sua popularidade através do fortalecimento do nacionalismo (algo muito comum em épocas de guerra). Acreditava também que o governo inglês não daria muita bola para umas “ilhazinhas” perdidas na América do Sul e que contaria com o apoio dos Estados Unidos (estes, como sabemos, apoiaram e sustentaram várias das ditaduras latino-americanas nos anos 1960/70). Criaria-se um impasse e rapidamente tudo seria resolvido pela via diplomática. No entanto, os planos do governo Galtieri não saíram como o esperado.
O nacionalismo de fato cresceu, pois muitas pessoas que antes se preocupavam com os mortos e desaparecidos da ditadura argentina, passaram a se preocupar com a guerra. Contudo, os EUA não apoiaram os argentinos e a Inglaterra, revidou à agressão da Ditadura, derrotando facilmente as despreparadas forças militares portenhas, o que custou a vida de milhares de jovens.
A derrota na Guerra das Malvinas teve efeito contrário: acabou precipitando o fim da ditadura argentina no ano seguinte. Apesar disso, a humilhante derrota calou fundo na alma dos argentinos.
A “vingança” viria 4 anos depois, na Copa do Mundo de 1986, no México, quando a seleção alviceleste derrotou os ingleses pelas quartas de final da competição, por 2 x 1. O primeiro gol foi totalmente irregular, feito com a mão pelo genial e polêmico Diego Maradona (ele chegou a dizer que foi a “mão de Deus” que ajudara a fazer o gol). O segundo gol de Maradona é tido como o mais belo gol feito em uma copa do mundo, quando o craque argentino driblou meio time inglês!
Essa vitória diante da Inglaterra, o talento de Maradona e a conquista da Copa do Mundo serviram para levantar a autoestima de um povo abalado com uma brutal ditadura militar, crise econômica, derrota numa guerra e falta de perspectiva futura. Com isso, fica fácil entender o endeusamento que os argentinos têm até hoje em relação a Diego Maradona.
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O “Milagre de Berna”
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Se a Copa de 1986 serviu para lavar a alma argentina, o mesmo pode ser dito em relação aos alemães em 1954. Após a derrota na II Guerra Mundial, a situação dos alemães não era das melhores: crise econômica, crise política (o pais foi ocupado por tropas estrangeiras e dividido), abatimento pela derrota e preconceito internacional (muita gente, erroneamente, achava que todos os alemães eram nazistas – na verdade, Hitler chegou ao poder num golpe de Estado).
Em 1950, quando da Copa do Mundo no Brasil, os alemães não vieram por problemas econômicos: faltaram recursos para montar uma equipe! Em 1954, a Copa do Mundo seria realizada na Suíça, apresentando como grande sensação a Hungria de Puskas, um jogador talvez de um nível técnico que se aproximasse de Pelé ou Maradona, mas não tão badalado por ser de um país socialista e porque na época o marketing esportivo não era tão atuante como passou a ser a partir dos anos 1970. A Hungria trucidou todos os adversários até a final contra a Alemanha. Na primeira fase, os húngaros haviam derrotado os alemães por 8 x 3. Na final, contudo, os alemães se superaram e venceram a competição ao ganhar o jogo por 3x 2, no que ficou conhecido como ‘Milagre” de Berna (onde a partida foi realizada), visto que poucos acreditavam que a Alemanha seria campeã.
Após tanto infortúnio, os alemães tinham um motivo para sorrir em 1954, sem falar que a conquista da Copa ajudou o país a se reaproximar da comunidade internacional. Algo parecido aconteceu com os alemães novamente ao conquistar a Copa de 1990, na Itália. O triunfo se deu exatamente quando da queda do Muro de Berlim em 1980 e reunificação do país. Celebrava-se a copa e o novo momento político alemão!
Quanta a Hungria, derrotada em 1954, seria invadida por tanques soviéticos em 1956, em virtude de um movimento popular que protestava contra a ditadura stalinista que comandava o país desde a II Guerra Mundial. Foi um massacre e vários húngaros se viram obrigados a migrar para o Ocidente. Foi o caso de Puskas, que, depois, curiosamente acabou se naturalizando espanhol e jogando pela seleção da Espanha em 1962, já no final de carreira.
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Fascismo e Futebol
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Nos anos 1930, num contexto de grave crise social vivida pelo capitalismo e do avanço das esquerdas, realizou-se a segunda Copa do Mundo, na Itália. O regime fascista de Benito Mussolini logicamente usou o evento para angariar simpatias internacionais e obter apoio dos italianos. Conta-se que o Duce compareceu a todos os jogos da Azurra e teria influenciado na escolha dos árbitros, de modo a beneficiar os donos da casa. Na final, a Itália venceu a antiga Tchecoslováquia na final por 2 x 1, com os jogadores italianos usando camisetas pretas, semelhantes ao uniforme usado pelas milícias de Mussolini (os fascistas italianos ficaram conhecidos como "camisas negras"). A conquista do bicampeonato de futebol pela Itália em 1938, na França, igualmente foi usada por Mussolini como prova da “superioridade” de seu regime político.
Nessa Copa de 1938, a política esteve mais do que nunca presente – afinal, já havia guerra na Ásia e na Europa o clima entre as potências era cada vez mais pesado. Era a II Guerra Mundial se aproximando. A Áustria havia se classificado para a Copa, porém, não atuou, pois meses antes da competição, os austríacos tivera seu território anexado pela Alemanha nazista. Por esse motivo, ocorreu o único W.O das Copas do Mundo (ou seja, uma partida em que um time é declarado vitorioso em virtude do não comparecimento do adversário), beneficiando a Suécia, seleção que deveria enfrentar a Áustria na primeira fase. Inclusive, vários jogadores austríacos acabariam atuando pela onzena alemã, a qual entrava em campo um uniforme que trazia uma águia com a suástica nazista estampada no peito.
Conta-se que um jogador austríaco se recusou a jogar pela Alemanha, o atacante Matthias Sindelar, tido como o melhor desportista da Áustria no século XX. Pouco depois da copa, já em 1939, Sindelar e a namorada foam encontrado morto num quarto de hotel em Viena. Suspeita-se que tenham sido assassinados pela Gestapo, a polícia secreta nazista.
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Por: Airton de Farias
Professor e Historiador

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