terça-feira, 8 de junho de 2010

Aula de geopolítica e jornalismo

Do Blog do Gilson Sampaio

A redecastorphoto desvendou mais uma enganação do PIG mundial, o que levou muitos, como eu, a analisarem as consequencias do ataque à Flotilha da Liberdade a partir de informação falsa. Nada muda minha opinião quanto à natureza criminosa do ataque dos sionistas e aproveito para reafirmá-las.

No primeiro texto, a redecastorphoto ridiculariza a mídia sem-vergoinha.

No segundo, de Pepe Escobar, uma aula magna de jornalismo com um banho de geopolítica.

O Mavi Marmara trocou de bandeira antes de partir

[Vila Vudu] "O Mavi Marmara trocou de bandeira antes de partir" (o "jornalismo" brasileiro não sabe disso, até HOJE!)


Comentário do pessoal da Vila Vudu

“Diferente do que noticiou praticamente toda a imprensa mundial, o barco Mavi Marmara trocou de bandeira, da bandeira turca para a bandeira das Ilhas Comoros, dia 20 de maio, pouco antes de partir à frente da flotilha da paz, rumo a Gaza.


É detalhe muito importante. O ataque israelense continua ilegal, mas aparecem agora, como objeto-alvo e parte agredida no ataque, as fracas Ilhas Comoros, em vez da poderosa Turquia” (Why Was the Mavi Marmara Reflagged Just Before Sailing? By Craig Murray, 3/6/2010).

A evidência de que o barco Mavi Marmara não viajava sob bandeira turca poderia ter sido facilmente encontrada, com simples pesquisa no Google sobre o barco. Dentre muitas outras páginas, lá está, numa página que acompanha o tráfego marítimo no mundo, página portuguesa, em:

MAVI MARMARA

Detalhes do navio

Tipo de Navios: Passenger

Ano de contrução: 1994

Comprimento x largura: 93 m X 20 m

Porte Bruto: 525 t

Velocidade registada (Max/media): 13.8 / 9.6 knots

Bandeira: Comoros [KM]

Indicativo: D6FU2

IMO: 9005869, MMSI: 616952000

O hábito, de fato, já o vício, a perversão, do jornalismo, dos jornalistas e dos jornalões no Brasil – que só sabem copiar matérias de agências estrangeiras e repetir bobagens, como papagaios, com ares de jornalismo muito metido a "ético" e "sério" (só rindo!), mas sempre praticando jornalismo-zero–, mais uma vez perpetua erros. Pior: aqueles jornais, jornalões, jornalistas e jornalismo pouco informam e informam mal. O pior do pior: contribuem para desencaminhar qualquer análise que se tente, daqui, sobre eventos que não sejam, eternamente, o diz-que-disse “dos corredores de Brasília”, narrados por jornalistas "de Brasília" que, do mundo, só sabem ouvir “declarações” de pressupostas "autoridades" – e sempre as mesmas.

É sempre a mesma “declaração” de sempre as mesmas “autoridades”, sobre as mesmas posições. E todas as posições aí, afinal, coincidem: jornalista brasileiro pensa como o patrão, o qual pensa como o patrão, o qual pensa como o marketeiro do patrão, o qual pensa como o prof. Lavareda, que é sociólogo "das pesquisas" (ou diz que é, ou pensa que seja)... Se piorar, melhora. Pior que isso, no mundo, é impossível.

A única voz que NUNCA se ouve nos jornalões brasileiros é a NOSSA! A voz da VILA VUDU, afinal, dos eleitores! A voz dos 82% dos brasileiros que, hoje, consideramos bom e ótimo o governo do presidente Lula!

Assim, de tanto repetir bobajol da própria cabeça dos jornalistas, e de agências (sempre as MESMAS!) internacionais de notícias, acontece de, no Brasil hoje, já praticamente não haver jornalistas competentes para análises do quadro mundial. Evidentemente, não se cogita, aqui, de considerar analistas competentes para análises do quadro mundial, nem o sr. Merval Pereira, nem o sr. Clóvis Rossi, nem, claro, a facinorosa D. Danuza ou o sr. William Waack [hehehehe]!

A melhor explicação (porque explica mais e explica coisas mais importantes), para a troca de bandeiras do navio Mavi Marmara encontramos hoje, noutro lugar. Por uma estranha ironia, algum acaso histórico ou pessoal, ou desígnio ou de Deus ou da história, para nos ensinar alguma coisa, a Caia Fittipaldi - tradutora emérita desta Vila Vudu - encontrou e traduziu um artigo de jornalista formado no Brasil, mas que há anos trabalha muuuuuuito longe – sorte dele! – do facinoroso "jornalismo brasileiro".

O artigo é “O método na loucura de Israel” , 9/6/2010, em “The Roving Eye” The method in Israel madness, Asia Times Online, em inglês. O autor, Pepe Escobar, foi jornalista muito ativo no Brasil dos anos 80 (trabalhava na Folha de S.Paulo), e depois, de repente, sumiu no mundo. Partiu, daqui, pra sempre. Lá se lê -traduzido - hoje:

“O barco Navi Marmara viajava sob bandeira das ilhas Comoros. Diferente da Turquia, Comoros é signatário do Estatuto de Roma da Corte Criminal Internacional de Justiça, que tem competência para julgar crimes de guerra cometidos contra barcos dos estados-membros”.

Essa, sim, é a causa real e efetiva e importante, com toda a certeza, para a troca de bandeiras: interessava aos ativistas da Flotilha da Paz, viajar sob proteção da lei internacional e dos acordos vigentes no mundo sobre atos de guerra no mar. Sabiam onde se metiam e fizeram, é claro, muito bem!

Se, protegidos por bandeira de país signatário dos Acordos de Roma, os ativistas foram atacados pelos fuzileiros israelenses, mortos, feridos, sequestrados e presos... o que não teria acontecido, se viajassem sem essa indispensável proteção da lei internacional?

Para comprovar a extensão das asnices que nos foram impingidas pela "mídia brasileira" , basta escrever “Barco turco Navi Marmara”, no Google. Aparecem lá todos os "grandes veículos" - devidamente emburrecidos e emburrecedores - da imprensa brasileira, a repetir a asnice de “barco turco”. Todos. A revista (não)Veja, vejam só, escreve de Paris! [risos, risos]. O Globo, O Estado de S.Paulo, a Folha de S.Paulo, o JB, o Correio Braziliense, a Zero Hora e tooooooodos os demais, escrevem de suas redações-charco-bordel aqui, mesmo, do Brasil. Há 380 mil registros de “Navi Marmara barco turco”, só até onde procuramos.

Quem, diabos – e, sobretudo, para quê? – precisaria ler jornalões brasileiros? E... pagando pra ler?! Tesconjuro! Tamos fora! Esqueçam. Só a blogosfera salva. Viva a blogosfera! Já ganhamos essa guerra!


O método na loucura de Israel

THE ROVING EYE

9/6/2010, Pepe Escobar, “The Roving Eye”, Asia Times Online – Traduzido por Caia Fittipaldi

Por que Israel, em operação deliberada e metódica, planejada com uma semana de antecedência* – segundo declarações de altos comandantes israelenses, falando em hebraico, dias antes do ataque –, atacou barco civil, desarmado, em operação humanitária, e que viajava sob bandeira de Comoros? (Diferente da Turquia, Comoros é signatária do Estatuto de Roma da Corte Criminal Internacional de Justiça, que tem competência para julgar crimes de guerra cometidos contra barcos dos estados-membros.)

Por que os fuzileiros israelenses atiraram contra nove ativistas desarmados, para matar, com balas calibre 9mm à queima-roupa, entre os olhos, na testa, na parte detrás da cabeça, no peito, nas costas e nas pernas – inclusive contra um cidadão dos EUA? (A lista final de mortos pode chegar a 15, porque ainda há seis ativistas desaparecidos; a rádio do exército de Israel falou de 16 mortos na 2ª-feira pela manhã, logo depois do ataque ao Mavi Marmara, parte da Flotilha da Liberdade.)

Como Israel pensaria que se safaria dessa, apenas com censurar vídeos e fotos – e depois se safaria outra vez apenas por recusar qualquer investigação por comissão internacional independente, que examinaria o incidente e a posterior manipulação do noticiário?

Por que, pensando em termos geopolíticos, Israel declararia guerra de facto a toda a comunidade internacional – dos países muçulmanos, aos membros da OTAN e a toda a opinião pública internacional?

Haverá aí mero “governo disfuncional”, como Bradley Burston escreveu no diário israelense Ha'aretz? E, estrategicamente falando, haverá método nessa loucura? Ou o método é só a loucura?

Medo. Muito medo.

Pode haver resposta muito simples a todas essas questões: medo.

Consideremos as possíveis motivações dos israelenses. Um dos motivos chaves para que Israel atacasse a flotilha humanitária seria mandar “um sinal” à Turquia sobre o acordo nuclear mediado por Turquia e Brasil, para troca de combustível nuclear do Irã – dado que o sucesso do acordo pôs por águas abaixo a ideia de ataque militar contra o Irã. Interessa a Israel que haja conflito aberto entre Washington e Teerã – o que implica usar o lobby israelense em Washington para sabotar o semidesejo do presidente Obama de encontrar algum tipo de acordo com Teerã para seu programa de enriquecimento de urânio.

Israel deseja uma Turquia fraca – fora do circuito, tanto do Oriente Médio quanto da União Europeia (UE). A Turquia é poder emergente regional chave, hoje com boas relações com os vizinhos. A Turquia é chave para os EUA: 70% de tudo que abastece as tropas norte-americanas no Iraque chega até elas pela base de Incirlik na Turquia. Há soldados turcos fazendo a guerra (que é dos EUA) no Afeganistão. Para não falar que a Turquia – em palavras do próprio Obama – é ponte vital entre o Ocidente e o mundo muçulmano.

A Casa Branca produziu resposta frouxa, “Os EUA lamentam profundamente as mortes e os feridos, e trabalha para compreender as circunstâncias que cercaram essa tragédia”. Foi sinal de Washington, dirigido à Turquia, de que a mediação de Turquia e Brasil no acordo de troca de combustível nuclear não é exatamente bem-vinda. (...)

Mas, por mais que Israel deseje ver a Turquia às voltas com problemas imensos tanto com a Síria como com a Grécia, além de já enfrentar a difícil questão interna dos curdos, Ankara absolutamente não está tremendo de medo, ante a “mensagem” dos israelenses. Em termos de poder militar convencional, a Turquia é força superior a Israel e, não bastasse, é importante aliada de EUA e OTAN.

Outro motivo chave dos israelenses é minar e, de fato, trabalhar para abortar, quaisquer negociações produtivas de paz com palestinos e sírios – e tirar a Turquia do campo de jogo. A Turquia está muito profundamente envolvida na tragédia dos palestinos. Há tempos trabalha para aproximar os partidos Fatah e Hamás. Motivo crucial, dos israelenses, parece ser sabotar qualquer iniciativa de paz liderada pelos turcos para resolver o problema palestino – o que inclui a necessidade crucial de o Oriente Médio ser desnuclearizado – o que é anátema para a Israel jamais declarada, mas nem por isso menos, nuclear.

Amarrando tudo isso, há o elemento crucial do próprio medo. Hoje, as antes mitificadas invencíveis Forças de Defesa de Israel [ing. Israeli Defense Forces (IDF), o exército de Israel] já combateram contra o Hezbollah no Líbano em 2006 e contra o Hamás em Gaza em 2008. Sabe o que lhes custou enfrentar a dura realidade de que seus tanques são vulneráveis aos foguetes lança-granadas russos; sabem que seus barcos são vulneráveis aos mísseis do Hezbollah comprados da China. E não há dúvidas de que, a qualquer momento, seus aviões estarão vulneráveis aos mísseis terra-ar S-300 russos.

O novo eixo que está surgindo

O Curdistão iraquiano é hoje virtualmente independente – como Washington desejava. Israel é robustamente ativo em todos os pontos do Curdistão iraquiano. Ao mesmo tempo, os EUA apóiam ativamente os separatistas do Partido Trabalhista Curdo, que tem base no Iraque, na Anatólia Oriental, tanto quanto apóiam os separatistas do Partido Vida Livre do Curdistão [ing. Party of Free Life of Kurdistan (PJAK)] no Irã, e os separatistas curdos na Síria. Os estrategistas militares turcos dedicaram-se exaustivamente a analisar esses desenvolvimentos cruciais. Conclusão dos turcos: a OTAN não é exatamente a panaceia dos sonhos turcos. E resolveram focar o Oriente Médio.

Assim se chegou ao pesadelo perfeito dos israelenses. O novo eixo no Oriente Médio está constituído: Turquia, Irã e Síria. Antes, eram só Irã e Síria. E não há quem conteste a legitimidade histórica dessa trindade, porque aí se unem os xiitas iranianos, a Síria secular e a Turquia sunita pós-otomanos.

Há inúmeros efeitos colaterais fascinantes dessa fertilização de todos por todos – como mais de um milhão de iraquianos, muitos dos quais muito bem educados, que encontram vida nova na Síria. Mas o efeito mais notável desse eixo é que detonou a velha lógica do “divida e governe” do colonialismo ocidental, imposta ao Oriente Médio por mais de um século. O destino da Turquia pode não estar firmemente conectado à Europa e seus medos que, afinal de contas, não quer abraçar a Turquia; a Turquia prepara-se para voltar à liderança do mundo muçulmano.

A vida do novo eixo não vai ser fácil. Operações clandestinas dos EUA já tentaram desestabilizar o governo sírio do presidente Bashar al-Assad – sem sucesso. O mesmo se diga da ação secreta da CIA na província do Cistão-Baluquistão no sudeste do Irã, tentando desestabilizar o governo de Teerã. E os mesmos “comandos” mascarados (nem sempre) e clandestinos (sempre) trabalham para impor nova ditadura militar na Turquia. Mas enquanto a secretária de Estado ia-se tornando cada dia mais vociferante, Assad, Hassan Nasrallah do Hezbollah e o presidente Ahmadinejad do Irã reuniram-se em fevereiro na Síria e organizaram a parceria.

Detalhe crucial, a Rússia saltou para dentro desse barco, para ocupar o vácuo gerado pelos EUA. O presidente Dmitry Medvedev já esteve em Ankara e Damasco e posicionou-se claramente a favor da reconciliação entre Fatah e Hamas, e pela criação de um Estado palestino funcional, que existirá ao lado de Israel.

Até o comandante geral do Comando Central dos EUA, general David (“estou-me posicionando para 2012”) Petraeus já teve de admitir publicamente que Israel, aliado estratégico dos EUA, – tornara-se carga demasiadamente pesada a pesar nas costas dos objetivos estratégicos dos EUA, por causa da colonização sempre buscada da Palestina e do bloqueio imposto a Gaza.

A Rússia, por seu lado, apóia o novo eixo político-econômico de Turquia-Síria-Irã. Preparam-se agora as leis necessárias para permitir viagens sem exigência de vistos, entre Ankara e Moscou. As empresas russas Rosatom e Atomstroyexport estão concluindo a construção da usina nuclear iraniana em Bushehr; estará pronta em agosto. Estão também discutindo a construção de outras usinas; e já têm apalavrado um acordo para construir uma usina nuclear na Turquia, negócio de 20 bilhões de dólares (no qual a Síria também tem interesse). As empresas de gás Stroitransgaz e Gazprom levarão gás sírio até o Líbano – porque Israel impede que o Líbano extraia seu gás de reservas submarinas consideráveis. A Rússia está em movimento. Em breve, Teerã receberá os mísseis S-300 pelos quais já pagou. E a Síria, em breve, terá nova base naval.

No Oleodutostão, Rússia e Turquia são irmãs em armas. A Rússia construirá oleoduto crucialmente importante, de Samsun a Ceyhan, para levar o petróleo russo do Mar Negro ao Mediterrâneo. Não bastasse, a Turquia está a um passo de conectar-se ao gasoduto russo South Stream – o que, sim, será desafio ao enrolado empreendimento de Nabucco, apoiado por EUA e UE.

A Rússia – como a Turquia – também quer o Oriente Médio completamente desnuclearizado, o que implica desnuclearizar Israel. Assunto que será discutido na Agência Internacional de Energia Atômica.

Assim se explica que Israel tenha muito medo do novo eixo Turquia, Síria e Irã, tanto quanto teme o apoio russo àquele eixo. Está nascendo um novo Oriente Médio, no qual só há um lugar para Israel: o isolamento.

A estratégia “de cachorro louco” de Israel – concebida pelo ex-líder militar Moshe Dayan – não é exatamente um exercício de integração. Até Anthony Cordesman, conhecido analista centrista e ícone do establishment no Center for Strategic and International Studies, publicou ensaio essa semana, sob o título “Israel as a Strategic Liability?” [port. “Israel como confiabilidade estratégica?”, publicado em 2/6/2010].

É possível que Washington “Grande Irmão” continue – eternamente – cega a tudo isso; mas se você for Estado e escolher estratégia que o torna parente próximo da África do Sul no crepúsculo do apartheid – e, neste momento, vale lembrar que Israel tentava vender armas atômicas àquele governo de apartheid – nem adianta perdermos tempo com procurar método na sua loucura. É só loucura.

Pepe Escobar recebe e-mails em: pepeasia@yahoo.com .

Notas de tradução:

* Sobre a preparação do ataque israelense à Flotilha de Gaza, ver também Norman G. Finkelstein: "Israel is now a lunatic state", entrevista (com vídeo) a Nadezhda Kevorka, RT (ex-Russia Today), 31/5/2010. Aqui, transcrição de trecho da entrevista, apresentada em vídeo: Norman G. Finkelstein: “O que aconteceu à Flotilha de Gaza não foi acidente. É preciso não esquecer que o gabinete israelense trabalhou, em reunião permanente, ao longo de toda a semana que antecedeu ao ataque. Todos os ministros discutiram e deliberaram sobre como enfrentar a questão da flotilha. Houve inúmeras matérias na imprensa israelense, inúmeras sugestões, inúmeras recomendações sobre o que fazer. No final do dia, optaram por um ataque noturno, por uma unidade de fuzileiros do serviço de contraterrorismo da Marinha (...).”

O artigo original, em inglês, pode ser lido em: THE ROVING EYE - The method in Israel's madness

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