quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Uma bola de borracha escada abaixo

Boletim de análise de conjuntura do GEAB (Global Europe Anticipation Bulletin) sobre a crise econômica global, datado de 16 de setembro de 2009:


Antes deste verão [no hemisfério norte, de junho a agosto], nossa equipe anunciou que não haveria recuperação à vista em setembro de 2009 e não antes do verão de 2010. De fato, contrariando os círculos midiáticos, financeiros e políticos, confirmamos nossa previsão.

A redução do ritmo do colapso da economia global, na base da origem das "boas notícias", é resultado do enorme financiamento público mundial dos últimos doze meses. Mas o dinheiro dos contribuintes usando em todo o mundo deveria ter sido dedicado a redesenhar o sistema monetário internacional que está no coração da atual crise sistêmica. Ainda assim, para além de umas considerações cosméticas e dos grandes presentes dados a bancos dos Estados Unidos e europeus, nada de sério foi feito e, quando se trata do futuro, a regra do "cada um por si" prevaleceu.

Agora, que o verão de 2009 está terminando e as três ondas começam a impactar na economia global (desemprego, falências e choques monetários), a hora de consertar o sistema ou de preparar um pouso suave em direção a um novo sistema global, acabou. Os primeiros sinais de um grande descompasso estão começando a aparecer: o resto do mundo está rapidamente se movendo da zona do dólar. Como mostra o gráfico abaixo, há uma chance de 95% que um trilhão de novos dólares serão impressos num futuro próximo... não muito atraente para a zona do dólar.

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Linha contínua: produção; linha pontilhada, volume de comércio; linha serrilhada, preços ao consumidor

Estamos caminhando diretamente para uma fase de deslocamento geopolítico que se espera terá início no quarto trimestre de 2009. Nesse número do GEAB nossa equipe analisa as tendências em funcionamento (mercado imobiliário, questões estratégicas...) dentro do caos corrente que resultou da enchente de gastos públicos e de um sistema financeiro persistentemente descontrolado em um contexto de estatísticas crescentemente inconsistentes.

Paradoxalmente, o deslocamento se tornou, de acordo com nossos pesquisadores, a única forma de recuperação econômica (uma recuperação que vai acontecer em torno de uma arquitetura global e de interação entre esferas econômicas, sociais e financeiras profundamente diferentes de qualquer coisa que vimos nas últimas décadas). Nossa equipe acredita que os primeiros traços do "mundo pós-crise" deverão aparecer até o verão de 2010 e, nos próximos meses, vão se dedicar a identificá-los.

Enquanto isso, como antecipamos nas edições anteriores, ninguém pode construir um retrato da situação econômica global hoje diante de dados macroeconômicos contraditórios ou simplesmente absurdos. As informações e instrumentos para coletar informações foram de tal forma manipulados e limitados ao uso do dólar como referência que nenhum governo, organização internacional ou banco pode dizer em que direção o sistema global está caminhando. A mídia reflete esse caos e contribui para o espanto dos leitores, ouvintes e telespectadores: dependendo do dia, mesmo da hora, dão informações contraditórias sobre finanças, a economia e as moedas. Políticos, empresários, empregados... economistas ou analistas... estão reduzidos a uma aposta de Pascal para avaliar o que vai acontecer nos próximos meses.

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Queda no preço de aluguel de contêineres

De acordo com o LEAP/E2020, o gráfico acima mostra fatos que não podem ser ignorados: os sistemas econômico, financeiro e monetário global estão sem rumo e suas fraquezas atingem baixas nunca vistas na história moderna e o menor choque (financeiro, geopolítico ou mesmo natural) pode quebrá-los. O espetacular mergulho dos Estados Unidos em dívida pública sem fundo (os governos sentem que, sem o apoio do dinheiro público, as economias do mundo voltariam ao colapso) está criando uma situação literalmente explosiva, trazendo aumentos maciços de impostos no Japão, na Europa, nos Estados Unidos...

Se houver qualquer recuperação à vista, é a dos impostos. De fato, confrontado com desemprego histórico e uma economia em mergulho, os eleitores japoneses decidiram demitir seus líderes de décadas: eles provavelmente inauguraram a grande reviravolta política da próxima fase da crise. Neste verão, o governo Obama foi pego de surpresa ao descobrir a importância do ódio público que se focalizou na reforma do sistema de saúde (embora ela seja necessária).

Aqui está uma analogia bem instrutiva sobre a crise de hoje que se impôs sobre nossos pesquisadores: uma bola de borracha em uma escada. Parece se recuperar a cada degrau (dando a impressão de que a queda acabou) mas ela cai mais no próximo degrau, retomando seu colapso.

Jogadores econômicos e autoridades "desorientadas"

Naturalmente, tudo isso não cria um clima favorável aos negócios. A capacidade de produção está sendo subutilizada em proporções históricas. As ações são renovadas a conta-gotas (eliminando qualquer esperança de uma recuperação baseada em sua substituição). Os consumidores se tornaram realistas economicamente: sem dinheiro, sem compras. Os salários deles caíram, quando não foram perdidos para o desemprego, os bancos não emprestam mais por saberem que estão insolventes (apesar do pó dourado que atiraram nos olhos da opinião pública nos últimos meses). O Estado em si, por si, não pode substituir o consumismo desenfreado do passado.

Nos Estados Unidos, um retorno ao estado prévio requereria 2,5 trilhões de dólares injetados por ano à economia. O pacote de estímulo de Barack Obama, menos de 400 bilhões de dólares por ano em dois anos, é muito menor do que seria necessário para substituir os domicílios e negócios que deixaram de gastar.

Mas os Estados Unidos não estão sós nisso. A Ásia e a Europa também enfrentam desemprego drástico e o aumento da manipulação estatística não conseguirá esconder: desempregados sem o salário-desemprego, jovens empregados como estagiários ou desempregados convocados para serviços públicos de curto prazo, demissões postergadas por medidas de redução da carga horária, empresas mantidas artificialmente funcionando graças a fundos públicos... de Pequim a Paris, em Washington, Berlim ou Tóquio, todos os truques foram usados para esconder essa situação tanto quanto possível... até a chegada da recuperação. Infelizmente, a recuperação não vai chegar a tempo. Em vez de uma recuperação em setembro, o mundo sofrerá o impacto dessas três ondas:

-- Desemprego em massa para pessoas que em breve perderão os direitos a benefícios e suas consequências desastrosas para a estabilidade política e social estão começando a aparecer;

-- O número de falências (companhias, cidades...) e os déficits de toda sorte estão explodindo;

-- E, naturalmente, o impacto disso no dólar americano e nos papéis do Tesouro (com o Reino Unido sofrendo os danos colaterais).

A primeira onda já atingiu a margem no fim do verão de 2009. A segunda está a caminho. A terceira começa a aparecer no horizonte.

De qualquer forma, se a Eurozona e a Ásia estão em melhor situação para enfrentar o impacto dessas ondas (como já analisamos no GEAB 28 de outubro passado), a situação delas não é tão boa que possam esperar uma recuperação. Será nos Estados Unidos, no dólar e nos papéis do Tesouro, de um lado, no Reino Unido e na libra, de outro, que as consequências dessas três ondas baterão mais fortes. Os sonhos de uma noite de verão podem acabar!

Mas para aqueles que ainda tem algum dinheiro para viajar, as férias podem ir em diante num momento em que hotéis, companhias aéreas e recantos de férias estão dando descontos nunca vistos. Outro sinal de que a recuperação chegou!

Original, em inglês, aqui

Do Blog viomundo

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