sábado, 31 de outubro de 2009

O fim de uma estupidez homérica

por Conceição Lemes

O presidente Barack Obama anunciou nessa sexta-feira o fim da lei que proíbe a entrada nos Estados Unidos de pessoas infectadas pelo HIV, o vírus da aids.

A nova legislação começa a valer no início de 2010. Leva o nome de Ryan White, adolescente infectado numa transfusão de sangue que lutou contra a discriminação aos soropositivos. Segundo Obama, a medida ajudará a “eliminar o estigma da doença”.

“Esse anúncio revela a 'vanguarda do atraso' ou o 'cúmulo da hipocrisia' dos estadunidenses”, avalia a mestre em Ciências Sociais pela Escola Nacional de Saúde Pública Marlene Zornitta, psicóloga do Programa de HIV/Aids da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Primeiro, colocam a lei, para reforçar o preconceito. Agora retiram como se fossem up-to-date [atualizados]!”

“Eu ficaria envergonhada se esse anúncio 'grandioso' fosse feito pelo presidente Lula”, prossegue . “Seria mais adequado o Obama eliminar já na prática a lei e comunicar, lamentando pelo atraso – fruto do preconceito – do governo anterior."

PROIBIÇÃO DE 22 ANOS PROVOCOU MUITO SOFRIMENTO
A proibição à entrada de estrangeiros HIV-positivos nos Estados Unidos vigora desde 1987. Portanto, há 22 anos.

Porém, no final dos anos 80 já se sabia que o HIV não “voava” nem “pulava” de uma pessoa para a outra. Os modos de transmissão do HIV estavam bem estabelecidos: sangue, sêmen/fluido vaginal e leite materno.

Além disso, desde o advento dos“coquetéis” antirretrovirais – 1996, lá, 1997, aqui – , a aids é controlada e se tornou uma doença crônica.

“Essa proibição provocou muito sofrimento e angústia em pessoas que, por força do trabalho, tinham de ir para os EUA”, relembra Marlene. "As pessoas estavam bem, se tratando, trabalhando, mas se fossem 'pegos' teriam que voltar e aí, provavelmente, o que haviam conseguido manter em segredo até então, se tornaria publico -- pelo menos no seu trabalho.”

Explicamos. Já na entrada, os soropositivos mentiam no formulário obrigatório respondido para o serviço de migração. Há uma pergunta explícita: você tem alguma doença infecto-contagiosa? Depois, com medo de serem flagrados, carregavam os comprimidos na bagagem de mão em frascos de “vitaminas”, por exemplo. É que, se achassem na bagagem antirretrovirais, tinham de voltar ao país de origem. Se precisavam ficar mais de uma semana lá, a situação se complicava bastante, pois no início da fase dos “coquetéis” eram muitos comprimidos/cápsulas por dia – em média, 10 a 12; alguns chegavam a 30 a 35.

“Os pacientes ainda ‘escondem’ a medicação. Porém, nos últimos anos, não têm tanta ‘nóia’ por mentir. Pelo que eles me contam, na prática, até lá, a tal ‘ pergunta’ já estava sendo ignorada”, afirma a psicóloga Marlene Zornitta. “Essa proibição retrógrada sempre me pareceu um 'sustentáculo' do preconceito.”

Antes tarde do que nunca. Pena que tenham demorado tanto para por fim a essa estupidez homérica.

Fonte: blog viomundo

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