terça-feira, 21 de julho de 2009

Leitores de jornal versus surfistas da rede: quem sabe melhor?

por Michael Kinsley, na revista eletrônica Slate

Tradução: Caia Fittipaldi

E se os jornais desaparecerem? Muita gente, repórteres e editores, principalmente, têm alertado para essa possibilidade, que parece estar já à vista. E declaram, em altos brados, "Vocês lamentarão muito!" Para economizar 50 centavos ou um mil réis, dizem, ficaremos sem o conhecimento crucial do qual vivem todos os cidadãos bem-informados das democracias que prestam.

Mesmo nos bons tempos, quando os jornais eram empresas muito lucrativas, nenhum leitor jamais pagou realmente o custo do que lia em jornais. Os tais 50 centavos ou um mil réis não pagariam nem o papel e a tinta, sem falar na distribuição – e, isso, se o conteúdo brotasse gratuitamente. Há cada dia mais gente interessada em ler jornais, o que se constata pelo número de leitores que visitam as páginas dos grandes jornais na Web. Os próprios consumidores estão ajudando os editores a economizar mais do que se continuassem a exigir jornais impressos à moda antiga. A culpa pelo fracasso financeiro dos jornais, portanto, não é dos leitores. Ainda assim, os donos de jornal – quase tão desiludidos com os anunciantes, quanto os anunciantes com os donos de jornal – contam com os leitores como uma espécie de última salvação.

Os que defendem os jornais argumentam, corretamente, que praticamente todo o noticiário que se distribui na Web é reprodução dos jornais impressos, sobretudo dos grandes jornais como [nos EUA] o Washington Post (proprietário da revista Slate) e o New York Times. Só depois de não haver mais esses jornais, saberemos o quanto precisamos deles, mas então já será tarde demais. De fato, nem é preciso que os jornais desapareçam completamente: o ex-grande Los Angeles Times está aí para demonstrar o quão facilmente um jornal pode resvalar até a completa irrelevância [no Brasil-2009, bom exemplo é a Folha de S.Paulo, já resvalada até a completa irrelevância. NT].

O que, exatamente, desaparecerá, quando desaparecem os jornais, varia de jeremiada a jeremiada. A guerra sobre o suporte físico está superada. É espantosamente mais barato publicar na Web: isso não se discute. Os jornais do futuro, sejam quais forem os conteúdos ou o proprietário, serão lidos em telas – que variarão, mas serão sempre telas: de monitor de computador, de um Kindle, iPhone, ou outras "plataformas" ainda por inventar e desenvolver.
Mas que outras diferenças esperar, em relação aos jornais que conhecemos hoje (ou conhecíamos há alguns poucos anos)? O que deixará de haver? As listas tendem a refletir os gostos subjetivos dos produtores das listas. Mas praticamente todas as listas incluem (1) noticiário local e comunitário; (2) noticiário internacional (principalmente daquela famosa agência de Bagdá); (3) jornalismo investigativo e "de empresa" de todos os níveis; e (4) "miscelânea" – histórias que ninguém procura e nas quais se tropeça, como por acaso, nas páginas de jornal. (Como membro assalariado do comentariato, anoto sem comentário e com amargura que ninguém parece super alarmado com o fim do noticiário nacional nem com o fim do colunismo e do 'analismo' dos 'especialistas'. Por isso, é difícil usar a falta de opinião de que padece a Internet como argumento a favor dos jornais.)

O item n. 4 — "miscelânea" — foi grave preocupação no nascimento da Web. Muita gente dizia que, ao arrastar o olho do leitor para notícias exteriores ao seu campo normal de interesses, o jornal impresso impediria que você virasse um foguete blindado não-tripulado e obcecado, desses que sabe tudo sobre esportes e Bolsa de Valores e coisa alguma sobre todo o resto.

Acho que, hoje, todos já entenderam que nada pode ser mais "miscelânea" e mais "geral" que a "miscelânea" e o "geral" dos hyperlinks, que são "geral" e "miscelânea" de modo muito mais profundo. Ninguém consegue ler uma página de Web de cima abaixo, sem nunca se deixar arrastar para algum universo paralelo do qual jamais ouvira falar... até ver o link.

Quanto aos outros três itens: o noticiário local está sempre presente nas páginas de abertura; e os temas de noticiário internacional e empresarial são os tópicos mais prestigiados em todos os editais de acesso a financiamentos oferecidos por fundações e patrocinadores.
E aí, papai?! Posso parar de ler jornais?

Para responder essa pergunta, a revista Slate, a partir da 3ª-feira, estará conduzindo experimento altamente não-científico. Durante três dias, dois jornalistas do jornalismo (principalmente) impresso voltarão ao tempo (há 15 anos!) quando, se quisessem ler notícias (em vez de vê-las desfilar à sua frente em imagem de televisão), eram obrigados a comprar uma entidade física conhecida como "jornal impresso". Cada um gastará apenas uma hora por dia, todos os dias, lendo qualquer jornal impresso (em língua inglesa) que encontrem à venda na cidade onde vivem.

Os jornalistas são Timothy Egan, colunista (e blogueiro) do New York Times, e Sam Howe Verhovek, ex-repórter do New York Times e do Los Angeles Times. Dado que ambos vivem em Seattle, só poderão ler, de fato, o New York Times, o Wall Street Journal, o USA Today, o Seattle Times, embora possam ler qualquer jornal que lhes caia nas mãos. (Recentemente, The Seattle Post-Intelligencer deixou de imprimir e só vive na Web; e o Washington Post impresso não tem distribuição nacional.) Tim e Sam empenharam solenemente sua palavra-de-escoteiro de que não tentarão nenhum golpe baixo – por exemplo, pedir que alguém lhes envie o Post, por fax. E é claro que não podem ler notícias online, mesmo que alguém lhes mande o link, de boa fé.

Durante os mesmos três dias, outro grupo de dois jornalistas que trabalham (principalmente) na Web – Emily Yoffe (nick-codinome "Prudence") e Seth Stevenson, ambos da revista Slate, só usarão, como fonte de notícias, a Web.

O truque, é claro, está em excluir todas as páginas que apenas 'transferem' para a Web material impresso em jornais e as que 'agregam' linhas a material publicado, sem de fato, agregar coisa alguma.

Essa tática de 'agregação' é difícil de definir. Em certo sentido, o jornalismo sempre é uma espécie de 'agregação' e já era, mesmo antes de a WWW aparecer. Quanto do que escrevo é 'agregado' (ou, digamos, é material 'repensado') ao que li publicado no New York Times? Por favor: é pergunta retórica; não respondam. E o próprio Times não chegaria a ser escrito, sem o Washington Post, e vice-versa. A melhor definição de "agregação", em sentido jornalístico, é a de Justice Potter Stewart, falando de pornografia: "Sei que é, quando vejo." Nossa equipe-Web empenhou solenemente sua palavra-de-escoteiro e prometeu não ler, na Web, o que seja claramente material de jornal impresso. (O blog Politico, OK. O Huffington Post, praticamente todo, ou a maior parte, não. Nesse nosso Slate, John Dickerson sobre política e Fred Kaplan sobre temas militares, evidentemente produzem material original para a Web. "Today's Papers" evidentemente, não produz. Em todos os casos, Emily e Seth postarão uma lista das páginas consultadas – e caberá ao leitor (aqui) avaliar se jogaram limpo ou se trapacearam.)

Nas tardes da 3ª, 4ª e 5ª-feira da semana em curso, publicaremos uma discussão sobre as notícias do dia, na qual o conhecimento e a interpretação das notícias – ou a ignorância e a não-interpretação – oferecidos pelos nossos porquinhos-cobaias estarão sendo informalmente testados. Todos podem brincar. Se você quiser, escolha um lado e respeite as regras acima. É isso, ou você continuará a ler jornais e a surfar na Web como sempre leu e surfou. Se você preferir ser o que sempre foi, você será nosso grupo de controle.

O artigo original, em ingles, pode ser lido em:
http://www.slate.com/id/2223262/entry/2223263/

Creditos: site vio mundo

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