
Os hondurenhos amanhecem grudados ao rádio e à televisão, mas poucos parecem ter esperanças reais na mediação de Óscar Arias. E menos quando se inteiram de que Micheletti regressa de imediato ao país e que Zelaya vai para a República Dominicana, fazendo a primeira promessa do presidente da Costa Rica virar pó, ao não deixar-los sair de sua casa até que chegassem a um arranjo. Entre os golpistas, o respaldo da filha de Augusto Pinochet, Lúcia, causou alvoroço.
Arturo Cano - La Jornada
Na ponte Germânia estão contentes. Acabam de escutar que o presidente Manuel Zelaya Rosales não se encontrará com Roberto Micheletti na Costa Rica e comemoram.
Na igreja evangélica Vida Abundante estão em oração, numa maratona de 24 horas escutam e vêm seus irmãos mexicanos, que se enlaçam desde o Distrito Federal, “certos de que o Senhor fará grandes coisas por Honduras”.
Os partidários e os inimigos do golpe de Estado estão assim desde o 28 de junho. Hoje, os seguidores de Zelaya vão interditar durante seis horas a Carretera Panamericana [anel rodoviário]: a fila de trailers com mercadorias em direção a El Salvador é interminável. E fazem o mesmo em avenidas de todo o país.
Não se pode dizer que os partidários do golpe o sejam do senhor Roberto Micheletti, porque a muitos deles lhes parece irrepresentável, mas as cúpulas das igrejas católicas e várias evangélicas, empresários e a maioria dos dirigentes partidários não deixaram passar um dia sem mobilizações, assim disfarçadas de “cidadãs”. Hoje é a vez de Choluteca, onde marcham convocados pela Câmara de Comércio e Indústria do Sul, entre outras agrupações.
O ato colossal, contudo, é a “cadeia de oração” organizada pelo pastor evangélico Evelio Reyes, que desde o primeiro dia se somou aos partidários do golpe (um quarto dos hondurenhos se declara evangélico).
Os candidatos partidários
À cadeia de oração se somam os candidatos à presidência dos dois maiores partidos do país, o Nacional e o Liberal, quem tinham feito malabarismos para não se comprometerem no desastre atual, embora ambos tenham apoiado o golpe (e participaram de seu planejamento, segundo os zelayistas).
Porfirio Lobo, candidato nacional (o Cachureco, como chamam os militares desse partido de direita), segue na mesma linha que administra desde o princípio do golpe: “Há que depor qualquer atitude intransigente”, diz em sua mensagem aos negociadores na Costa Rica, antes de se pôr a rezar.
Elvin Santos, que foi vicepresidente com Zelaya, é o candidato dos liberais e fala do encontro de San José: “Sei que Deus lá estará presente e sei que o povo hondurenho também estará lhe pedindo sua interceção”.
Nenhum deles arrisca uma fórmula das linhas políticas que se estabelecem aqui: o adiantamento das eleições previstas para novembro; uma anistia para o presidente Zelaya e seus colaboradores ou ainda para os golpistas; um gabinete de unidade nacional, etc.
Faz coisa de um ano, o pastor Evelio Reyes levou seus fregueses às ruas para apoiar a greve de fome de um par de fiscais que acusavam aos seus superiores de congelar as investigações de conhecidos casos de corrupção. Reyes os apoiou e se enfrentou com Micheletti, então líder do Congresso, a quem comparou com um governante egípcio: “Tive uma visão....de que nunca verei o faraó investido de presidente da República”.
A visão do pastor não é de todo incorreta: ele vê sim Micheletti como presidente, mas o mundo inteiro vê um golpista.
Os golpes que seguem
Os hondurenhos amanhecem grudados ao rádio e à televisão, mas poucos parecem ter esperanças reais na mediação de Óscar Arias. E menos quando se inteiram de que Micheletti regressa de imediato ao país e que Zelaya vai para a República Dominicana, fazendo a primeira promessa do presidente da Costa Rica virar pó, ao não deixar-los sair de sua casa até que chegassem a um arranjo.
Na rua e nos templos não se vê muito espaço para a negociação. Como o jovem que carrega uma placa na entrada da ponte: “Última hora: a comissão negociadora de Micheletti vai a Marte, porque na Terra ninguém o reconhece”.
Os dirigentes mantém comunicação permanente com seus enviados a San José, e a transmitem de imediato aos manifestantes: “Vão se reunir em quartos separados e Oscar Arias vai de um a outro”.
Carlos Humberto Reyes, líder sindical e candidato presidencial independente, põe em palavras a ovação que segue ao informe: “Nossa posição é que não queremos mais que a restituição do presidente Zelaya, e depois disso vamos seguir trabalhando para chegar a uma Constituinte, a uma nova Constituição para Honduras”.
Não há mais saída senão o retorno de Zelaya?
Não, responde Reyes. "Este é um golpe militar, e temos advertido à comunidade internacional que, se não se restaurar a legalidade, a crise pode se tornar mais aguda e os atos criminosos podem continuar e se aprofundar, como nos anos 80, quando aqui os orquestrou John Dimitri Negroponte. Os que estão com Micheletti são os mesmos de então".
“O gole está nas mãos da Agência Central de Inteligência (CIA)”, disse, na mesma linha, Salvador Zuniga, dirigente do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copih) e um dos quatro representantes de Zelaya na Costa Rica.
Entrevistado há alguns dias, Zuniga assegurou que “ex-membros da CIA”, que atuam à margem do governo estadunidense, acompanhados de “golpistas venezuelanos e da máfia cubana” pretendem “entrincheirar-se” em Honduras para começar a dar golpes similares em outras partes do continente. “Tenho para mim que isso se segue na Guatemala, e candidatos fortes são El Salvador, Bolívia e Equador”.
O dirigente popular via em Honduras um cenário de guerra civil, e assegurava que a mensagem do golpe de Estado é “que as eleições não servem para nada, que eles, os poderes de fato, podem tirar qualquer presidente no momento que lhes aprouver”.
Em Washington, os temores de José Miguel Insulza, secretário geral da OEA, andam na mesma sintonia.
Primeira mudança no governo de fato
Os zelayistas seguirão nas ruas. Para esta sexta, segundo dia de diálogo na Costa Rica, estão prevendo bloquear as saídas de Tegucigalpa nos quatro pontos cardeais. Naturalmente, serão atividades matutinas e verspertinas porque, apesar do diálogo, o governo de Micheletti mantém o toque de recolher.
Cercado, com os empresários caindo cada vez mais fora, a cada dia o governo de Micheletti sofre baixas, enquanto segue acumulando acusações contra os zelayistas: ontem (9 de julho) anunciou que investigará as contas de 40 funcionários do governo anterior, e também de jornalistas, líderes sociais, alguns dos quais participam do diálogo na Costa Rica.
Coincidindo com a primeira viagem internacional de Micheletti, anuncia-se também a primeira demissão em seu governo, com apenas 12 dias no poder. Enrique Ortez Colindres (ele que disse que Barack Obama era um “negrito del batey”), não é mais chanceler, mas ministro do Governança e Justiça.
Enquanto isso, os meios de comunicação nacionais favoráveis ao novo governo – quase todos – seguem vendo problemas em publicar informações sobre apoios internacionais aos golpistas. É notório que expurgam a imprensa internacional em busca de um pouco de alento. Naturalmente, repetiram até o cansaço um editorial do Wall Street Journal e as declarações de alguns parlamentares republicanos (especialmente de origem cubana). Porém hoje voltaram à carga, ao publicar o respaldo de uma democrata chilena de nome Lúcia: sim, a filha de Augusto Pinochet.
Tradução: Katarina Peixoto
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